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Luigi Zingales - Professor de Finanças 27 de Junho de 2011 às 11:26

Os inimigos prestáveis do mercado de derivados

O lançamento de duas investigações europeias sobre a ausência de concorrência no mercado de CDS pode parecer não mais do que uma vingança pessoal contra um dos alegados culpados pela crise da dívida soberana da Europa, em 2010.

O lançamento de duas investigações europeias sobre a ausência de concorrência no mercado de "credit-default swaps" (CDS) pode parecer não mais do que uma vingança pessoal contra um dos alegados culpados pela crise da dívida soberana da Europa, em 2010. A percepção negativa que a maioria das pessoas (especialmente os europeus) tem sobre os CDS teve, certamente, um papel neste facto. Além disso, as empresas estrangeiras ou politicamente fracas são os mais frequentes alvos quando se pretende aplicar a lei.

Considerem, por exemplo, que o primeiro caso de informação privilegiada na Rússia, após a queda do comunismo, foi contra uma empresa norte-americana. Da mesma forma, as autoridades que investigam a concorrência da União Europeia têm sido mais duras com a Microsoft do que com muitas companhias europeias.


Dito isto, a existência de motivações políticas não enfraquece a legitimidade das novas investigações comunitárias, que vão ser conduzidas ao mesmo tempo que um processo idêntico lançado pelo Departamento de Justiça norte-americano sobre práticas anti-concorrenciais na negociação, compensação e fixação do preço dos CDS nos EUA. Na realidade, o preconceito ideológico dos europeus contra estes activos pode ser benéfico no longo prazo para o desenvolvimento de um melhor mercado de CDS, e de derivados em geral.


De facto, o mercado de derivados da actualidade é um oligopólio, com poucos bancos a apresentarem margens de lucros enormes. E, independentemente de quais as motivações políticas que podem estar por trás das últimas investigações, a concentração do mercado é um problema real. Segundo um estudo do Banco Central Europeu, de 2009, os cinco maiores operadores de CDS completavam quase metade do valor especulativo no mercado, ao passo que os 10 maiores totalizavam 72% dos negócios efectuados. Os mercados de outros derivados não estão em melhor estado.


Um alto grau de concentração distorce o mercado de várias formas. Em primeiro lugar, quando transaccionam entre si, os grandes protagonistas não exigem uma adequada quantidade de garantias, confiando na fiabilidade do crédito da outra parte (e em garantias implícitas que os governos dão a grandes empresas). Isto não só diminui bastante a capacidade das pequenas empresas entrarem em concorrência, como também contribui para uma instabilidade sistémica do tipo que foi experienciada em 2008, o que acaba por aumentar a probabilidade de os contribuintes terem de intervir. A concentração do mercado torna maioritariamente ilusório o papel benéfico da repartição de riscos que é pedida pelos derivados, dado que a maior parte destes é suportada por muitos poucos actores.

A negociação directa também contribui para a opacidade do mercado dos derivados, reduzindo ainda mais a concorrência, e aumentando a margem desfrutada pelos operadores - e os preços que os utilizadores finais (empresas industriais, na sua maioria) têm de pagar. Os lucros conjuntos dos principais envolvidos neste mercado contabilizam 80 mil milhões de dólares, o que representa um enorme imposto sobre a economia real.
Para resolver este problema, precisamos de fazer com que a maioria da negociação de derivados se concretize em bolsas organizadas, onde as exigências diárias de garantias assegurem a estabilidade sistémica, e onde a transparência dos preços force a concorrência, reduzindo as margens e aumentando a profundidade do mercado. Nos Estados Unidos, a Lei Dodd-Frank já caminha, em parte, nesta direcção, e esforços semelhantes estão a ser feitos na Europa.


Independentemente disso, a jornada ainda é longa. Grande parte dos bancos de investimento sabe que, a cada dia que passa sem uma apropriada regulação do mercado, ganha milhões de dólares para os fundos de bonificação dos gestores. Não surpreende que o processo de reforma demore tanto tempo.

De acordo com a porta-voz da Comissão Europeia, Amelia Torres, os últimos esforços na aplicação anticoncorrencial podem ser vistos como um complemento à regulação de derivados em curso. Para ultrapassar o enorme poder do grupo de pressão dos bancos de investimento - e, assim, para ajudar a garantir a estabilidade financeira global - qualquer instrumento ajuda, mesmo que venha envolvido num pacote de preconceito ideológico europeu.


© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro


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