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Luigi Zingales - Professor de Finanças 03 de Dezembro de 2012 às 23:30

Desencadear o programa de compra de dívida

Se a mais pequena dúvida sobre a eficácia do programa de compra de dívida surgir, o jogo de expectativas vai alterar-se e as obrigações do Tesouro de Espanha e Itália vão rapidamente ser atacadas.

A Europa tem estado a viver um período de calma desde que o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, proferiu, em Julho, o discurso de "o que for necessário", bem como, desde a decisão da autoridade monetária tomada em Setembro de prosseguir com o seu programa de "transacções monetárias definitivas" (OMT, na sigla inglesa), ou seja, o programa de compra de dívida dos países da Zona Euro. Os spreads das taxas de juro dos governos de Espanha e de Itália caíram de forma abrupta, as emissões de dívida corporativa continuam e uma sensação de normalidade está lentamente a regressar ao continente. 


Mas seria insensato concluir que os problemas do euro estão resolvidos. Os fundamentais económicos estão longe de estarem estáveis, enquanto as tensões financeiras reduzidas são fruto de um jogo de expectativas. Enquanto os investidores acreditarem que a Itália e a Espanha vão, eventualmente, ser resgatadas por este programa, os custos de financiamento destes países vai ser baixos e os resgates não vão ser necessários. Mas, se a mais pequena dúvida sobre a eficácia do programa de compra de dívida surgir, o jogo de expectativas vai alterar-se e as obrigações do Tesouro dos dois países vão rapidamente ser atacadas.

Uma dessas fontes de dúvidas pode ser a segurança do OMT. Para se tornar operacional, todos os governos europeus têm de o aprovar. As regras variam entre os vários países da União Europeia (UE), mas na Alemanha, "aprovação governamental" implica uma aprovação do parlamento. Numa situação de emergência, é difícil imaginar que a Alemanha não prefira a aprovação ao desastre que seria o incumprimento da Itália ou da Espanha. Ainda assim, qualquer atraso pode ser suficiente para gerar uma corrida aos bancos quer em Itália quer em Espanha. E, no momento em que o Bundestag alemão decida, pode ser tarde demais.

Para eliminar esta incerteza, a Espanha e a Itália deviam pedir a intervenção do OMT antes de precisarem dela desesperadamente – um pedido que o Bundestag iria provavelmente aprovar, vendo-o como um plano de segurança em vez de uma transferência pura. Fazendo isso, a incerteza que ronda o próprio programa e os seus mecanismos de implementação seria também eliminada. Identificar e tratar dos problemas quando a intervenção não é urgente é muito mais fácil do que fazê-lo quando paira a ameaça de um incumprimento soberano.

Por fim, a formulação de um pedido antecipado para uma intervenção do OMT iria não apenas reduzir os custos de financiamento dos governos de Itália e de Espanha (e assim os seus défices orçamentais), mas iria também baixar os custos do capital para as empresas locais, para quem actualmente é difícil encontrar financiamento e quem queira investir. Assim, iria ser dado um impulso muito necessário às economias destes países em dificuldades.

Por isso, se pedir a intervenção do OMT seria tão benéfico, porque é que os governos de Espanha e de Itália estão tão relutantes em fazê-lo? A principal razão é política. Na década de 1930, todos os governos europeus temeram que uma ruptura com o padrão ouro fosse percepcionada como um sinal de fraqueza. E como resultado, os governos esperaram demasiado tempo. O mesmo é verdade para o programa de compra de dívida: os políticos eleitos temem que um pedido de intervenção seja percepcionado como um sinal de fraqueza, o que implica um custo que têm boas razões para tentarem não pagar.

Mas porque é que o primeiro-ministro italiano, Mario Monti, que é um político que não foi eleito (e prometeu não se candidatar nas próximas eleições) está tão hesitante? Dado que Monti não tem de temer uma derrota eleitoral, ele poderia ajudar o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, pedindo primeiro a intervenção, o que enfraqueceria o estigma político para o governo de Rajoy que pedira ajuda logo depois. Uma intervenção do OMT agora iria também ser uma jogada segura para a Itália que vai enfrentar brevemente eleições gerais cujo resultado é incerto.

O que não é impossível é que o partido anti-euro, liderado por um comediante, Beppe Grillo, vença pelo menos 20% dos votos dos italianos. A instabilidade política que poderá resultar não será uma boa oportunidade para pedir o auxílio da Alemanha. De facto, se alguém imaginar quais as razões pelas quais a Alemanha pode não aprovar um pedido de intervenção do OMT para a Itália, a instabilidade política está no topo da lista. Por outro lado, pedir uma intervenção antecipada do programa de compra de dívida iria promover a estabilidade política porque iria limitar as intenções de qualquer futuro governo italiano.

Então porque não está Monti a agir? Uma razão possível é o seu orgulho. Monti quer ser recordado como o primeiro-ministro que salvou a Itália do desastre. Não quer ficar na história como o primeiro-ministro que teve de entregar a soberania da Itália para salvar o país do incumprimento. Uma explicação alternativa é que Mario Monti tem de facto ambições políticas. Ainda que o mandato de Monti esteja previsto durar até às eleições, ele poderá estar a tentar estendê-lo com o apoio do novo parlamento.

Atrasar o pedido por qualquer uma destas razões seria um acto muito egoísta. Mario Monti não devia arriscar a estabilidade europeia para seu próprio benefício. Ele deveria pedir uma intervenção do OMT antes que seja tarde demais.

© Project Syndicate, 2012.

www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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