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Luigi Zingales - Professor de Finanças 04 de Novembro de 2013 às 20:15

As mentes prisioneiras da Reserva Federal

Antes da paralisação da administração pública dos Estados Unidos ganhar protagonismo na política americana, todas as atenções estavam centradas na provável escolha, por parte do presidente Barack Obama, para a presidência da Reserva Federal. Na verdade, a nomeação da vice-presidente Janet L. Yellen para suceder a Ben Bernanke sublinha um elemento importante: aquilo que costumava ser uma nomeação técnica, que interessava apenas aos economistas mais estudiosos, tornou-se numa grande causa de tensão política, não dividindo apenas os Republicanos e os Democratas (não é preciso muito para que tal aconteça) mas também causando fracturas no Partido Democrata.

É interessante que o ponto de discórdia não fosse a posição dos candidatos sobre a inflação mas, sim, sobre a regulação da banca. Por que é que o papel de presidente da Reserva Federal se tornou tão importante no patamar político? E por que é que a regulação da banca se tornou mais interesse do que a inflação, na opinião dos senadores norte-americanos (que têm de confirmar a nomeação de Obama)?

 

Estas alterações são simplesmente uma consequência da crise financeira de 2008 e das políticas adoptadas por Bernanke para a ultrapassar. Num esforço para salvar o sistema financeiro do colapso – e, depois, na tentativa de chegar à recuperação económica –, a Fed empreendeu políticas muito activas: taxas de juro próximas de zero, programas de compra de activos massivas, remuneração das reservas dos bancos e por aí em diante. Embora tenham sido bem-sucedidas no estímulo à economia, estas políticas tiveram enormes efeitos redistributivos: desde os pequenos aforradores a bancos; de proprietários de casas afogados em dívidas a investidores ricos; de pensionistas a financeiros.

 

Estes efeitos redistributivos estão a obrigar os economistas a pensarem, novamente, na melhor forma de governar do banco central, que ficou assente num poderoso dogma que emergiu no final dos anos 70 e início dos anos 80, em resposta à elevada inflação: os banqueiros centrais precisam de ser independentes face ao sistema político.

 

Na altura, o fim do sistema de Bretton Woods de taxas de câmbio fixas deixou os banqueiros centrais expostos à pressão política, em favor de políticas mais expansionistas e de ainda maior financiamento monetário dos défices orçamentais. O exemplo mais famoso de uma interferência indevida foi a pressão do presidente Richard Nixon sobre o então presidente da Fed, Arthur  Burns, para facilitar as condições do crédito durante a campanha presidencial de 1972.

 

No longo prazo, tal pressão prejudica a credibilidade dos políticos que a exerceram. Por esta razão, os bancos centrais alteraram os seus estatutos para assegurarem uma maior independência face ao governo. O quadro de governação do Banco Central Europeu é o exemplo desse facto.

 

Ainda assim, a independência política pode conduzir a uma completa ausência de prestação de contas política. E assim foi. Libertados da pressão política, os banqueiros centrais foram vítimas de uma captura intelectual, devido a uma natural inclinação para agradarem àqueles a que se assemelham: os banqueiros e os académicos da área. Na altura em que o papel da Fed era simplesmente, tal como sublinhou o antigo presidente William McChesney Martin, o de calibrar a oferta de dinheiro assim que os salários começassem a aumentar mais rapidamente do que a produtividade, a captura intelectual não era uma preocupação: os banqueiros centrais não gastavam muito tempo com os trabalhadores ou os sindicatos.

 

No final do século XX, contudo, o trabalho dos banqueiros centrais começou a mudar. A forte concorrência vinda da China manteve os salários e os preços nos consumidores (inflação) sob controlo. Assim, a principal razão que levava a calibrar a oferta de dinheiro já não era uma subida dos preços nos consumidores mas uma subida nos preços dos activos. Aqui, no entanto, o problema da captura intelectual é muito mais grave.

 

Em 1996, depois de o então presidente da Fed, Allan Greenspan, ter levantado a possibilidade de os investidores estarem a sofrer de uma “exuberância irracional”, foi criticado de forma tão forte que nunca mais se atreveu a repetir nada do género, mesmo no meio da bolha da Internet. É difícil que os banqueiros centrais ignorem que o sector financeiro vai beneficiar largamente de uma subida nos preços dos activos. Mesmo quando o presidente da Fed não vem do mundo financeiro, como aconteceu com Bernanke, a formação intelectual é a mesma que a dos banqueiros (tal como é a das conferências em que participam).

 

E se a captura intelectual não fosse suficiente, o problema é exacerbado nos Estados Unidos pela forma de governo antiquada dos 12 bancos regionais da Reserva Federal. Os presidentes das Fed regionais são escolhidos por um conselho que representa a comunidade empresarial local, em particular a comunidade financeira local. O conselho de administração da Fed de Nova Iorque parece um guia de quem é quem no mundo da banca. Como é que podemos esperar que estes governadores sejam independentes da banca quando eles viveram e respiraram a perspectiva financeira durante todas as suas carreiras?

 

Agora que Obama nomeou Yellen, a atenção deve virar-se para esta questão. A pressão política é o único antídoto conhecido contra a pressão dos banqueiros. Qualquer uma delas, em demasia, levará a Fed na direcção errada. Mas agora, depois de três décadas em que a independência política expôs os bancos centrais à captura intelectual, é necessário um pouco de reequilíbrio.

 

Luigi Zingales é professor de Empreendedorismo e Finanças na Booth School of Business, na Universidade de Chicago. 

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

Tradução: Diogo Cavaleiro

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