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30 de Março de 2004 às 15:25

“Os Impostos São o Preço de uma Sociedade Civilizada”

Obter uma solução que a sociedade maioritariamente reconheça como equitativa, tanto do lado das receitas como das despesas, é um dos problemas mais difíceis que os políticos têm de resolver.

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O jornalista do “Público” António Marujo, um dos responsáveis pela excelente reportagem que veio lembrar-nos como, em vinte anos de crescimento económico sem precedentes, nada mudou no que respeita à situação da extrema pobreza em Portugal, concluiu a sua intervenção no “Expresso da Meia-Noite” dedicado ao tema, chamando a atenção para o contraste entre a indignação pública a respeito de alegadas fraudes no rendimento mínimo garantido (RMG) e a enorme tolerância relativamente à evasão fiscal, cujo impacto, tanto financeiro como em termos de equidade social, é incomparavelmente superior.

Muitos economistas justificarão esse contraste argumentando que benefícios como o RMG desincentivam o trabalho, enquanto que a evasão fiscal não é nem tão elevada nem tão prejudicial à economia como se faz crer.

Quanto à pobreza (e ao desemprego que frequentemente lhe está associado), a resposta consensual é o crescimento económico. A insuficiência desta solução está, porém, provada e é sobretudo visível em situações de rápida mudança estrutural, como a que Portugal não só vai continuar a atravessar, mas tem que aprofundar.

Há, todavia, que reconhecer que, entre nós, tanto à esquerda como à direita, entre políticos e parceiros sociais, a questão da justiça social, embora abundantemente invocada, tem sido muito parcamente tratada.

Durante anos fez-se equivaler à prestação de serviços públicos “gratuitos”, descuidando quer a eficiência desses serviços - a sua relação qualidade-preço –, quer o facto de que eles são na realidade pagos através de impostos, quer ainda a sua insuficiência em matérias como a pobreza e exclusão social.

Obter uma solução que a sociedade maioritariamente reconheça como equitativa, tanto do lado das receitas como das despesas, é um dos problemas mais difíceis que os políticos têm de resolver.

Não só obriga a ir além de simples considerações de crescimento económico conjuntural, como implica discutir os efeitos, em cada sociedade e momento concreto, do maior ou menor nível da carga fiscal, da respectiva distribuição, das múltiplas isenções, benefícios e gratuitidades de serviços.

Além de tudo isso, exige uma pedagogia séria e rigorosa, cada vez mais incompatível com os sound bites do marketing político.

O choque causado pela reportagem do “Público” mostra como a sociedade portuguesa estava pouco consciente da falta de progresso nesta área definidora de uma comunidade civilizada.

Há apenas algumas semanas os jornais tinham-se feito eco de uma outra: a espectacular taxa de abandono escolar (correspondendo à percentagem de indivíduos entre os 18 e os 24 anos que abandonaram o ensino sem irem além do primeiro ciclo do secundário).

A média portuguesa em 2001 (último ano para que os dados estão disponíveis) foi de 45,2% contra 19,4% na UE; no caso dos homens, a percentagem sobe para 52,3%. Nos países nórdicos, essa taxas variam entre os 10 e os 13%.

Olhando as despesas em protecção social e, em particular, os gastos em educação, Portugal deveria, no entanto, estar muito mais bem colocado em matéria de resultados.

As despesas públicas em educação em Portugal (5,7% do PIB) superam a média europeia (5%) e estão muito próximas, por exemplo, da Finlândia (6%), um dos países com melhores níveis de desempenho em todos os indicadores.

Aqui entramos nos domínios difíceis, que os políticos e os sindicatos têm preferido ignorar, mesmo quando - ou até sobretudo quando – com eles argumentam.

Por um lado, temos a relação preço-qualidade nas áreas da saúde e, principalmente, da educação, que absorvem uma larga parcela dos recursos públicos em matéria de protecção social, deixando muito pouco para acorrer a apoios em matéria de pobreza e exclusão.

Em 2000, apenas 1,5% das despesas em protecção social eram destinadas a estes fins, contra 3,7% na UE. Mesmo assim, essa percentagem deveu-se ao RMG, dado que antes não ultrapassava 0,5%.

O outro lado da questão é o que envolve directamente a evasão fiscal, vista não na perspectiva da perda de receitas, mas na da inexistência de informação fidedigna que permita ao Estado passar a adoptar políticas de protecção social dirigidas aos estratos populacionais que delas necessitam.

Num Estado com uma fraca capacidade administrativa e com uma população a quem constantemente se repetem números e exemplos inadmissíveis de evasão fiscal (que, permanecendo impunes, servem fundamentalmente de acicate aos que pagam, para também tentar fugir), a única saída para o problema seria a concessão de benefícios - desde a educação e saúde gratuitas, ao apoio contra a pobreza e a exclusão - em função das necessidades.

Essa opção exige, todavia, exactamente aquilo que o Estado não tem: capacidade administrativa e uma boa administração fiscal que permitisse identificar os destinatários dos benefícios.

O círculo vicioso é evidente e mostra como uma administração pública profissional, competente e livre de nepotismos e de dependências políticas é condição essencial de uma sociedade mais justa e até, se assim o desejarmos, de uma carga fiscal mais baixa.

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