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Os gestores socialistas

A intervenção excessiva do Estado não só não resolve os problemas como, numa cultura como a nossa, apenas prejudica o desempenho económico. Considero-me, em ideias, um pró-liberal (embora muitas vezes não praticante) e acredito que o papel do Estado na ec

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Se fosse sueco, finlandês ou dinamarquês provavelmente não o diria com tanta convicção pois ainda acreditaria, pelo passado recente, não no socialismo mas, pelo menos, na social-democracia - bastante mais moderada que o socialismo convencional (se isso existe). Ao olhar para o estado do Estado português, porém, resta-me pouco mais que acreditar que a sua redução é absolutamente imprescindível.

A auto-regulação económica não resolverá todos os problemas e tenho bem consciência disso. Por isso mesmo talvez não seja tão praticante do liberalismo quanto sou seu defensor em ideias. A intervenção excessiva do Estado não só não resolve os problemas como, numa cultura como a nossa, apenas prejudica o desempenho económico. O Estado mínimo é o Estado que preconiza pouco mais que os serviços de justiça e defesa e, ainda aceitavelmente, os serviços de educação e saúde mas, tanto quanto possível, por meio de sistemas contratualizados.

Por exemplo, encontro muito mais pontos comuns com a minha actividade e existência, enquanto gestor, no purismo de Adam Smith e na sua preconização de um Estado reduzido, uma economia auto-regulada, um mercado livre ou uma necessidade de criar valor - que praticamente remonta a este economista, na condição quase imutável em que se ensina em qualquer estabelecimento de ensino de gestão nos dias que correm - do que numa aproximação socialista da satisfação das necessidades materiais e culturais de toda a sociedade e de cada um dos seus membros com vista a desenvolver de maneira incessante e pró-planificada uma qualquer economia nacional, nomeadamente incrementando a produtividade do trabalho social e chegando a uma propriedade colectiva estatal - na sua forma mais acabada, e também utópica, com expressão no plano cooperativo de Lenine. De facto, a intervenção como gestor passa muito mais - digo eu - por me identificar com os princípios de mercado, para o proveito colectivo, do que com os princípios colectivos, ex-ante, que conduzem a um não mercado.

A defesa da iniciativa privada de Bentham, o inimigo Estado de Burke, a burocratização estatal perniciosa de Humboldt ou a perspectiva de Stuart Mill de não ingerência do Estado em aspectos que o indivíduo resolve por si próprio são, apenas, algumas das ideias que estruturam muito mais os princípios de intervenção dos gestores do que as ideias socializantes preconizadas pelo socialismo. Não chego, julgo que ninguém de bom senso chegará, ao extremo malthusianista do Estado para proteger os ricos e para desamparar os pobres sem direitos. Mas a verdade é que colho muito mais ideias, enquanto gestor, no liberalismo que no socialismo. Como, de resto, qualquer gestor que queira ser, ou seja, efectivamente gestor.

As ideias de recompensa, mérito, descriminação positiva, resultados, valor, competitividade, vantagem competitiva, competências, mercado, segmentação, desnatação, posicionamento, entre tantas outras, não fazem sentido nenhum na boca de quem se diz convictamente socialista.

De facto, o socialismo significa que o estado das forças produtivas da sociedade e o nível de produtividade do trabalho social não permitem, tão-só e AINDA, satisfazer as necessidades das pessoas segundo um princípio de distribuição comunitário - nada mais que o comunismo. Por isso, o socialismo acaba por usar a produção mercantilista, as relações monetário-mercantis, o valor, o cálculo económico, o dinheiro e a circulação de mercadorias mais por obrigação que por essência - estes são, em boa verdade, os instrumentos fundacionais do capitalismo.

O socialismo, na gestão, não tem nem teoria própria nem paradigma. Não tem nem modelo nem referências efectivas. Trata-se apenas de wishful thinking. Por isso sinto cada vez mais que os meus colegas que o defendem entram em permanente contradição consigo próprios. Ser socialista, nos meios académicos, é uma quase condição de entrada. Confere um charme e uma áurea de intelectualidade inatingível pelo pragmatismo de alguém de direita. Mas a distância que vai entre a teoria socialista e as práticas empresariais que as próprias pessoas de esquerda aplicam às empresas é talvez a mesma distância que separa as universidades das empresas. Ou seja, continua a ser muito grande.

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