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Oposição à Oposição

Precisamos de uma oposição que exija ao Governo o cumprimento das reformas de que Portugal necessita. Uma oposição que exponha e critique o Governo quando este claudica perante os mesmos lóbis que nos trouxeram até aqui. Uma oposição que não permita ao Governo desviar-se do caminho que sabemos que tem que ser feito

Acompanhar o que acontece em Portugal à distância permite quase sempre uma perspectiva diferente de quem está todos os dias sujeito aos soundbytes dos meios de comunicação nacionais. Com poucas (mas boas) excepções, muitas vezes depois de ler os jornais portugueses custa a entender a situação muito complicada em que se encontra Portugal. O facilitismo das "políticas de emprego e crescimento", da "austeridade pela austeridade", do "sim, há outro caminho" persiste em muitos quadrantes. Noutros insiste-se na victimização gratuita, os malvados mercados financeiros (que bons eram quando emprestavam dinheiro), os alemães egoístas ou os nórdicos insensíveis (que generosos foram enquanto financiaram Portugal a fundo perdido durante duas décadas), a direita neoliberal que quer desmantelar o Estado Social (porque é idiota e quer alienar a classe média para perder as eleições seguintes), a economia de casino (a mesma que permitiu a tanto político português acumular fortunas). Este irrealismo, quando não surrealismo, choca quando o "Financial Times", o "Economist", o "New York Times" ou o "Guardian" escrevem sobre Portugal. Um país sem acesso aos mercados financeiros durante muito tempo, sem potencial de crescimento absolutamente nenhum, endividado por gerações, fundamentalmente sem futuro.


O Governo sabe perfeitamente que não há margem de manobra, não há dinheiro para as tais "políticas de crescimento e de emprego" que produziram zero crescimento e um endividamente massivo. Quando há umas semanas o PS apresentou mais do mesmo à troika, claro que nem foi ouvido. Só a mais absoluta falta de consciência aliada a um excessivo paroquialismo levaria alguém a pensar que existe qualquer margem para convencer os nossos credores a permitir o regresso ao facilitismo em nome de umas pseudo-políticas de crescimento que nunca produziram resultados. Portugal teve vinte anos para fazer o trabalho de casa, não fez; esperar que o mesmo discurso volte a vingar é perder tempo.

Portugal precisa de muitas reformas, o Governo sabe disso, o próprio PS sabe disso porque alguma coisa tentou fazer nesse sentido (e, por isso mesmo, graças ao PS de Sócrates de 2005-2007, Portugal não esteve até agora tão desesperado como a Grécia). O que é preocupante neste momento não são as políticas do Governo, mas a sua incapacidade de enfrentar os lóbis instalados. Pouco a pouco, em muitas áreas, o Governo derrapa. Na Administração Central e nas autarquias, na energia, na regulação de economia, nas nomeações políticas multiplicam-se os sinais de impotência, de captura ou mesmo de inacção.

Precisamos de uma oposição que exija ao Governo o cumprimento das reformas de que Portugal necessita. Uma oposição que exponha e critique o Governo quando este claudica perante os mesmos lóbis que nos trouxeram até aqui. Uma oposição que não permita ao Governo desviar-se do caminho que sabemos que tem que ser feito. Infelizmente, esta oposição não existe. E vai sair caro a Portugal porque tudo começa a indicar que o Governo não vai conseguir fazer a reforma mais importante de todas, a dos interesses instalados.





Professor de Direito da University of Illinois
nuno.garoupa@gmail.com
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