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23 de Fevereiro de 2006 às 14:18

Opinião: O Preço da PT

De repente o país deixou de ter apenas o futebol para se entreter e para opinar. A OPA sobre a Portugal Telecom (PT) passou a ser o tema do momento: toda a gente se pronuncia, desde o político, ao gestor, ao economista, ao sociólogo ao intelectual, ao d

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De repente o país deixou de ter apenas o futebol para se entreter e para opinar. A OPA sobre a Portugal Telecom (PT) passou a ser o tema do momento: toda a gente se pronuncia, desde o político, ao gestor, ao economista, ao sociólogo ao intelectual, ao desportista todos estes com cobertura mediática, até ao simples cidadão.

E como no caso do futebol, abunda a retórica e a opinião do "treinador de bancada" e falta a reflexão, a análise, o conhecimento. Neste artigo de opinião iremos pronunciar-nos apenas sobre uma questão do universo de questões que esta operação levanta .

O preço oferecido: 9.50 € , o que corresponde a avaliar a totalidade das acções da PT em 10,7 biliões de euros ou seja cerca de 8% do PIB Português. Ao fim e ao cabo, o sucesso da operação vai depender do facto de pelo menos 50.01% dos accionistas aceitarem vender a esse preço ou não. Sobre se a OPA ultrapassará as aprovações legais nomeadamente da Autoridade da Concorrência e do Governo , outros poderão pronunciar-se melhor do que nós.

Apenas pensamos que seja qual for o resultado, a PT e o sector das comunicações ficará melhor do que antes; e apenas desejamos que o processo seja rápido porque nenhuma empresa deve ser deixada sem rumo e com um Conselho de Administração debilitado por muito tempo.

O preço da PT.

1. Vamos então à questão do preço. A maior parte dos analistas e comentadores e alguns accionistas de referência consideram o preço baixo. Infelizmente nunca foram questionados sobre porque é que consideravam o preço baixo (nomeadamente o Grupo BES ou a administração da PT) ou justo (o Grupo Sonae) o que é bem elucidativo sobre o clima de "espectáculo" e de "futebol" que cobre o maior negócio privado de sempre em Portugal.

2. Para alguns, o preço de uma empresa cotada pode ser determinado ou encontrado pela análise técnica da evolução da sua cotação em Bolsa (é o caso dos traders) , ou por modelos quantitativos (é o caso de muitos Hedge Funds) ou por outros métodos menos utilizados.

3. Para o investidor Bolsista de médio e longo prazo, e por maioria de razão para a Sonae, o preço da PT depende do valor da empresa. E o valor da empresa depende dos seus cash-flow futuros. Mais concretamente, deveríamos falar dos cash-flows após investimentos, ou seja, livres para remunerar os capitais investidos. Mas por razões práticas de simplicidade e de facilidade de comparação, iremos focar-nos apenas nos cash-flows operacionais ou seja o EBITDA (Resultados antes de Amortizações, Encargos Financeiros e Impostos)

4. Em função do EBITDA gerado na actualidade, o sector de telecomunicações é o mais barato em Bolsa (estamos a referir-nos aos mercado europeus , os mercados que acompanhamos com maior profundidade) . Enquanto a generalidade dos sectores se valorizaram em Bolsa, o sector das telecomunicações caiu nos últimos 2 anos . Esta queda verificou-se tanto nos clamados incumbentes (PT, France Telecom, Telefónica) como nos puros móveis como a Vodafone .

5. O sector das telecomunicações é o sector mais barato em Bolsa porque os investidores consideram, e correctamente, que os cash-flow futuros vão ser bastante inferiores aos actuais. Já neste momento as receitas médias por utilizador (o denominado "ARPU") estão a cair quer na rede fixa quer na móvel. Mas a grande ameaça para o sector é a chamada VOIP "voice over internet protocol".

O custo da VOIP, cujo maior protagonista é a Skype, é virtualmente nula entre utilizadores de Internet PC e muito mais barata de internet para telefone fixo ou móvel. A France Telecom reviu recentemente as previsões do n.º de utilizadores que já no final de 2006 utilizariam VOIP: de 15% para 40%!!. Parece-nos ainda que, uma vez vulgarizado o UMTS nas redes móveis, a VoIP será uma ameaça muito maior aos puros operadores móveis do que aos antigos incumbentes que podem promover ofertas integradas de voz, internet e televisão. Não temos capacidade para avaliar como será o sector daqui a alguns anos, mas como é obvio alguém terá de sobreviver porque as telecomunicações são indispensáveis e insubstituíveis e alguém terá de continuar a ganhar dinheiro para fazer face aos investimentos e para remunerar os capitais investidos.

6. No sector europeu das telecoms a PT ao preço da OPA é uma das mais caras operadoras europeias, senão mesmo a mais cara. No quadro apresentado A PT beneficia de um prémio de mais de 30% face ao operador mais barato , a France Telecom.

 

PT (a 9.5 €)

Telefonica

France Telecom

KPN

Deutsche Telecom

EV/EBITDA

6.4

6

4.8

5.7

4.7

 

7. O EBITDA da PT usado no quadro anterior não inclui nenhum dos verdadeiros "sustos" que ao longo do ano de 2004 as contas da PT foram evidenciando:

i) mais de 253 milhões de euros de custos com redução de pessoal só nos primeiros 9 meses de 2005. Este custos referem-se apenas a uma redução de efectivos entre 1000 a 1500 , ou seja deverá ser superior a 200 mil euros por efectivo. Que seja do n/ conhecimento a PT não quantificou nunca a extensão deste plano para os próximos anos.

ii) Contribuição extraordinária de 300 milhões de euros para financiar responsabilidades com cuidados de saúde após reforma.

iii) Perdas cambais de 44 milhões de euros em derivados cambiais da VIVO. Não foi possível conciliar este valor com os valores revelados nas contas da Telesp Celular referentes aos primeiros 9 meses de 2005 : de 352 milhões de euros (!) de perdas em derivados cambiais compensados com uma variação cambial positiva de 205 milhões; o gabinete de relações com os investidores não prestou qualquer esclarecimento sobre o assunto mas é claro que a PT está a perder dinheiro devido a um montante muito elevado de posições curtas em reais. De toda a maneira é sempre muito difícil um accionista aceitar perder dinheiro quando o real se desvaloriza e continuar a perder quando o real se valoriza.

iv) De acordo com declarações do responsável pelo pelouro financeiro da PT o buraco do fundo de pensões da empresa ascende a 2500 biliões de euros ou seja cerca de 25% da sua capitalização bolsista.

8. O enfraquecimento do Conselho de Administração da PT perante os accionistas e perante o mercado e o imbróglio da parceria do Brasil com a Telefónica que nas palavras do Director do Jornal de Negócios, se tornou "o depósito de administradores em desgraça" só podem diminuir ainda mais "o valor" da PT.

Aliás a imagem que os responsáveis pela empresa passam para o exterior é que estão mais interessados em defender os seus lugares do que resolver os problemas da empresa e dialogar de uma forma directa e aberta com o mercado. A contratação de cinco bancos e de três escritórios de advogados para a "defesa da empresa na OPA " é disso um claro sinal. Valeria mais, e ficaria mais barato, esclarecer os investidores que decidirão qual o futuro da empresa respondendo aos problemas e questões colocadas nos pontos 5, 7 e 8.

Conclusão

Parece-nos claro face ao exposto, que o preço pago pela PT é elevado e esta OPA ou as OPA’s concorrentes que eventualmente possam ser lançadas constituem uma oportunidade única para muitos investidores realizarem na PT a mais valia que a evolução do sector e a inépcia da administração lhes negavam. Afinal a PT regista a cotação mais elevada desde Maio de 2001.

Esta é ainda uma oportunidade para a PT, a Sonaecom e o sector das telecomunicações sair mais forte e rejuvenescido e ultrapassar as dificuldades estratégicas e também operacionais em que estavam mergulhados.

Uma última nota relativamente aos price target ou avaliações publicados por algumas casas de investimento.

Sem conhecer os pressupostos em que se basearam não é possível fazer uma crítica responsável e objectiva . O Dresdner Bank, que fixou um objectivo de € 10,5 para a PT avalia a France Telecom em € 29 por acção ou seja tem uma visão muito positiva sobre o sector mas é coerente na avaliação relativa entre a PT e a France Telecom estimando um potencial de ganho cinco vezes superior para a France Telecom!.

Mas uma regra de ouro para o investidor inteligente e disciplinado é de agir pela sua própria cabeça e ser capaz de fazer exactamente o contrário do que os researchs das Casas de Investimento recomendam. Que o diga o Presidente do BPI que justificou a venda da participação que o Banco detinha na PT a 7,75€ (!) em Novembro de 2005, quando o Research do próprio Banco dizia que a PT valia 9,55 €. Posteriormente, o research do Banco viria a reduzir a avaliação da PT para 8,2 €. Menos mal!

Paulo Ramalho

Administrador da Ok2deal, sa

Responsável pela Area de Gestão de Carteiras

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