Opinião
O bater de Asas da Borboleta
Um bater de asas de borboleta nos EUA provocou um ciclone na Europa. Esta pode ser uma boa imagem daquilo que se está a passar nos mercados financeiros. Um número significativo de Bolsas regista já variações acumuladas negativas desde o inicio do ano – I
A borboleta – o “subprime” imobiliário americano
Um bater de asas de borboleta nos EUA provocou um ciclone na Europa. Esta pode ser uma boa imagem daquilo que se está a passar nos mercados financeiros. Um número significativo de Bolsas regista já variações acumuladas negativas desde o inicio do ano – Itália, França Suíça, Inglaterra – e a crise estende-se um pouco a todos os mercados e latitudes. Alguns Hedge Funds conseguiram “rebentar” com a totalidade do património dos clientes (dois fundos do Bear Stearns); três fundos do BNP Paribas suspenderam os resgates sem no entanto se confirmarem os receios iniciais; um banco alemão entra em dificuldades e recebe um pacote de auxilio de 3,5 mil milhões de euros; e finalmente o BCE injecta mais de 200 mil milhões de euros para evitar uma chamada “crise de liquidez”, naquele que terá sido o mais mediático episódio desta crise.
Qual o elemento em comum a todos estes acontecimentos? A chamada crise do “subprime” americano. Passemos em revista alguns números sobre esta crise, indispensável para tentarmos entender a sua dimensão e as suas consequências. Foi em 13 de Março que as primeiras notícias sobre o eclodir de uma crise no mercado imobiliário americano surgiram. De acordo com a Mortgage Bankers Association, a taxa de delinquência no mercado do “subprime” atingiu os 13,33% (contra apenas 2.57% no chamado mercado prime); a subida face ao trimestre homólogo de 2006 foi de 1,7%, ou seja, passou de 11,6% para 13,3%, significativo mas nada de extraordinário. Diz a mesma Associação que dos 43,5 milhões de empréstimos apenas 6 milhões são “subprime”, ou seja, cerca de 13,7% do número e seguramente menos em termos de valor.
O impacto directo do “bater de Asas”
Os efeitos desta crise fazem-se sentir sobretudo em dois tipos de agentes financeiros:
i) Em alguns Hedge Funds como os da Bear Stearns que sofreram perdas irreparáveis – na casa dos 100% – para os investidores. Como na economia real as perdas (não definitivas) se situaram nos 13%, as perdas financeiras daquela ordem só são possíveis com níveis de alavancagem muito elevados ou outros efeitos de perigosas engenharias financeiras.
ii) Em alguns bancos americanos especializados no mercado imobiliário que possuem formas muito peculiares e não estáveis de financiamento. No caso mais mediático, o American Home Mortgage em apenas algumas semanas evaporaram-se 20 usd de valor contabilístico por acção com a empresa a solicitar o pedido de falência. A forma de financiamento assentava em exclusivo na emissão de Asset Backed Securities com uma série de pérfidos “covenants”.
Na Europa e com a excepção do já citado IKB alemão, até ao momento não há notícias significativas de exposição directa ao mercado “subprime”. Já depois do “caso IKB”, o regulador alemão Bafin afirmou que era dispensável qualquer auditoria ao sector financeiro, já que a sua exposição era desprezível. Os bancos e seguradoras europeias que publicamente se pronunciaram sobre a sua exposição ao “subprime” anunciaram quase sempre valores inferiores a 1% do seu volume de negócios e dos seus activos. Objectivamente, o problema do “subprime” não tem de “per si” dimensão que justifique a crise dos mercados e a queda, entre 15% e 40%, registada pelo sector bancário europeu nas últimas três semanas.
O impacto indirecto do “bater de Asas”
Mas precisamos de ver mais longe e mais profundamente. A primeira linha de análise é a ligação entre a Banca e os Hedge Funds que estão no centro desta crise. A maior parte dos Hedge Funds financiam-se com papel comercial de curto prazo. Com as perdas avultadas que têm sofrido e com o aumento (racional e bem vindo) dos “spreads” de crédito, é normal que tenham dificuldade em se refinanciar. De acordo com algumas fontes, alguns bancos têm compromissos de suportarem a liquidez desses Hedge Funds. O compromisso do ABN seria de 46 mil milhões de dólares e no total os bancos europeus e americanos teriam compromissos que poderiam ir até 200 mil milhões (fonte Moody’s Investors Service). Já estamos a falar de montantes significativos mesmo em termos de percentagem sobre os fundos próprios dos bancos envolvidos.
Aqui entra uma segunda linha de raciocínio. O bater de asas da borboleta do “subprime” levou os investidores a medir melhor o risco e a exigir o correspondente prémio e provocou um aumento enorme da volatilidade do mercado (provavelmente amplificado por estarmos em Agosto um mês de fraca liquidez). Durante anos, muitos Hedge Funds especializaram-se nas estratégias “Quant”, diminutivo de Quantitative Models e muitos bancos disponibilizaram as suas equipas de marketing para as vender a investidores. Eram estratégias de investimento baseadas exclusivamente em algoritmos matemáticos. Com a mudança do ambiente e dos pressuposto os modelos deixaram de funcionar; e a alavancagem fez o resto. Os dois principais “Quant” da Goldman Sachs (Global Alpha e Global Equity) perderam respectivamente 27% e 30% este ano com o grosso das perdas a ocorrerem na primeira quinzena de Agosto. A G.S. injectou três mil milhões nesses fundos e está no seu direito fazê-lo e, se o fez, é porque provavelmente os espera reaver.
Aproveitar os efeitos benéficos do “bater de Asas” - não aos “bail-outs”
Mas muitos analistas e comentadores têm chamada a atenção para um aspecto decisivo desta crise. A crise foi provocada pela falta de equilíbrio na avaliação de activos e de riscos, e pela “gula” de muitos investidores e de Hedge Funds. Muitas comissões e chorudos prémios foram pagos aos beneficiários deste sistema. Quem cometeu esses erros deve ser penalizado . É salutar para o sistema e para a sua racionalidade e eficiência de médio prazo; em caso contrário estaremos a beneficiar o infractor, a incorrer no chamado “Moral Hazard”. Nesse pressuposto, é essencial que as intervenções dos Bancos Centrais de injecção de liquidez sejam isso mesmo e apenas isso. Injectar liquidez de curto a 4% (no caso do Banco Central Europeu) contra o recebimento de títulos. Não deverá servir para fazer um “bail-out” de um qualquer Hedge Fund nem sequer de um qualquer banco que se tenha envolvido em demasia com o mercado do subprime e/ou com Hedge Funds. O risco seria todos virmos a pagar com uma inflação mais elevada no futuro os erros e a gula de alguns.
E resta ainda mais uma vantagem para o investidor prudente. É procurar um banco europeu que tenha caído mais de 20% e que não tenha qualquer envolvimento com os “pecados” analisados neste artigo. O bater de asas da borboleta pode ainda vir a proporcionar uma “subida aos céus” para alguns investidores.