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O valor da responsabilidade

A responsabilidade social das empresas conquistou uma posição de relevo indiscutível. Não é um tema novo, mas nunca como agora teve tantos seguidores no meio empresarial ou tanta atenção das universidades. Em poucos anos desenvolveu-se uma vasta actividad

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As vozes cépticas ouvem-se cada vez menos. Longe vão afirmações como a de Milton Friedman de que a única responsabilidade das empresas é ser lucrativa. A revista “The Economist”, que ainda há pouco considerava a responsabilidade social um factor de distracção das empresas, acaba de publicar um extenso relatório (19 de Janeiro) com uma visão predominantemente apologética. Apesar de reconhecer que as empresas já têm um contributo positivo resultante da sua capacidade de criar valor para os accionistas, remunerar trabalhadores e pagar impostos, considera que podem adicionalmente servir a sociedade sem sacrificar a rendibilidade dos seus accionistas.

A emergência da responsabilidade social está ligada ao fenómeno abrangente da globalização. Cada vez mais o abanar das asas de uma borboleta na China pode provocar um tufão no Ocidente. Foi literalmente o que aconteceu à Mattel quando foi forçada a recolher milhões de brinquedos devido à natureza tóxica das tintas usadas pelo fabricante chinês. Claro que esta situação não é nova – o desastre ecológico de 1984 em Bhopal, Índia, que causou directamente a morte de cerca de 3.800 pessoas, foi bem mais grave para a Union Carbide americana, mas nunca como agora os impactos foram tão imediatos e universais. Problemas ambientais, de direitos humanos ou de “dumping” social têm uma repercussão quase instantânea na imagem das empresas.

O primeiro objectivo dos novos departamentos de responsabilidade social é pois reduzir os danos decorrentes da actividade da empresa. A simples implantação em locais como a Nigéria ou Myanmar, à semelhança do que acontecia com a África do Sul no tempo do “apartheid”, é um forte factor de risco para uma empresa multinacional. Porém, se a empresa for produtora de petróleo, pode facilmente descartar essas possíveis localizações? O problema é, de resto, mais geral. A Nike sofreu grandemente com a visita dos veteranos da guerra do Vietname a instalações insalubres onde subcontratados fortemente preocupados com a redução de custos produziam os famosos ténis da marca americana. O problema ambiental é outra questão crucial, dado que caminhamos cada vez mais para mecanismos de medição das “pegadas ecológicas” das empresas. O tiro de partida foi disparado precisamente por empresas como a General Electric ou o especialista de logística holandês TNT, que têm vindo a desenvolver mecanismos de medida da sua própria performance ambiental.

No entanto, os especialistas da responsabilidade social não têm uma perspectiva exclusivamente defensiva. Existe uma convicção cada vez maior que uma atitude pró-activa pode trazer retorno positivo. As empresas fazem isso através da doação de capitais, participação activa em apoio a populações como o resgate de vítimas de cataclismos, ou o incentivo ao trabalho voluntário por parte dos seus funcionários. Diversas empresas têm seguido o exemplo da KPMG inglesa que instituiu a prática de autorizar os seus colaboradores a dedicar duas horas semanais de trabalho pago ao serviço da comunidade.

O impacto da responsabilidade social para o valor das empresas é de difícil medição, mas as empresas não podem ignorar os seus efeitos junto de clientes, reguladores, financiadores e empregados. Empresas como a Google, que encorajam os seus colaboradores a deslocar-se diariamente de bicicleta, ocupam também posições cimeiras na lista das empresas com mais facilidade de recrutamento.

Será a responsabilidade social um fenómeno efémero à semelhança de modas da gestão anteriores como a da reengenharia? É pouco provável, por duas razões fundamentais: a opinião pública exerce um escrutínio cada vez maior sobre a actividade das empresas; o fenómeno atingiu uma dimensão global que não tem precedentes nas modas anteriores. Longe de ser uma preocupação exclusiva das empresas de países ricos, a responsabilidade social regista uma atenção crescente também por parte das empresas com sede em economias emergentes.

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