Opinião
O sistema financeiro: novos tempos, novos desafios
Num mundo em constante mudança, é inevitável que um sector como o financeiro – sujeito a uma grande intensidade concorrencial e a uma alteração permanente dos seus factores de competitividade – seja confrontado com novos e exigentes desafios determinantes
A denominada crise do “subprime”, que introduziu um conjunto de condicionantes adicionais ao sistema financeiro internacional desde Agosto de 2007, veio tornar mais evidentes um subconjunto de desafios que o sistema financeiro internacional no seu todo e o sistema financeiro nacional em particular, terão de ultrapassar nos próximos anos. Destacaremos, neste pequeno artigo, três desses desafios:
1) A adaptação a um novo regime prudencial;
2) A necessidade de alteração do “mix” de receitas;
3) O desenvolvimento de um modelo de negócio mais eficiente;
1) A adaptação às novas regras de cálculo de capital
O Estado português transpôs durante o ano de 2007 um novo regime prudencial constante da Directiva Bancária Codificada (2006/48/CE) e da Directiva de Adequação de Fundos Próprios (2006/49/CE), normalmente designada por “Basileia II”, o qual entrou em vigor no início de 2008. Este novo regime prudencial vem introduzir um conjunto de alterações à metodologia de cálculo de capital das Instituições financeiras. Estas alterações têm a ver, por um lado, com a exigência de afectação de capital ao risco operacional – obrigando os bancos a melhorar os seus processos de funcionamento, reduzindo os riscos de falhas de natureza operativa – e, por outro lado, aumentando a discriminação no que diz respeito às exigências de afectação de capital em função das tipologias de crédito, da qualidade das garantias existentes e das metodologias de avaliação de risco utilizadas. Desta forma, o novo acordo de Basileia II vem claramente acentuar a importância da componente da gestão e avaliação do risco como factor determinante da competitividade das instituições financeiras bem como vem evidenciar a necessidade de uma maior articulação entre a estratégia comercial, as políticas de “pricing”, os instrumentos de avaliação de risco de crédito e a fiabilidade operacional.
2) A necessidade de alterar o “mix” de receitas
Nos últimos anos, nomeadamente fruto de um contexto macroeconómico caracterizado por baixas taxas de juro e de crescimento do valor dos activos imobiliários, a concessão de crédito foi a principal alavanca de crescimento de muitas instituições financeiras na Europa, no geral, e em Portugal, em particular. O aumento das taxas de juro ocorridas no último ano, o aumento dos níveis de endividamento das economias e a recente crise de liquidez que afecta o sistema financeiro internacional vêm obrigar as instituições financeiras a alterar profundamente o seu padrão de crescimento. A capacidade de captar e gerir de forma eficaz o património dos clientes numa lógica de aconselhamento global, a promoção consistente do “cross-selling” aumentando as famílias de produtos comercializadas (nomeadamente ao nível dos seguros , da preparação da reforma?) e a exploração de novas áreas geográficas deverão ser factores potenciadores de crescimento que compensem o inevitável abrandamento dos ritmos de evolução das receitas associadas ao crédito concedido.
3) O desenvolvimento de um modelo de negócio mais eficiente
As dificuldades associadas à actual crise de liquidez – com reflexos directos na capacidade de crescimento das receitas – aliadas a um contexto macroeconómico de baixo crescimento tornam inevitável a necessidade dos bancos continuarem a reforçar os seus níveis de eficiência operativa. Neste particular, o aproveitamento da evolução tecnológica assume-se como um factor decisivo, tanto como “enabler” de novos ganhos de eficiência operacional como na promoção da actividade comercial através dos canais remotos, nomeadamente da Internet. No que diz respeito à eficiência operativa, a evolução dos ganhos de produtividade na área informática bem como o potencial associado a estratégias de “outsourcing” e de “smartsourcing”, capitalizando no aproveitamento de economias de escala e na separação entre a função produção e a função de comercialização, serão certamente evoluções de posicionamento que as instituições financeiras terão de considerar no futuro próximo. No que diz respeito à actividade comercial, em face da crescente utilização pelos consumidores da Internet como forma de acesso a todos os produtos e serviços, bem como face ao potencial associado à banda larga, são expectáveis alterações significativas nos próximos anos. A utilização da Internet pelas instituições financeiras para a venda de produtos e serviços aumentará não só a eficiência da cadeia de distribuição como igualmente permitirá alcançar segmentos de mercado que, de outra forma, dificilmente virão a ser explorados.
O ultrapassar dos desafios atrás enunciados tem subjacente a existência de uma clara visão estratégica por parte dos responsáveis das instituições financeiras, mas passa igualmente pela capacidade destas desenvolverem políticas inovadoras de reconversão e de motivação do seu capital humano. No contexto de um enquadramento da legislação laboral pouco flexível e no quadro das profundas mudanças que o sector financeiro vai passar este será, sem dúvida, um dos seus maiores desafios.
As instituições financeiras que evidenciarem uma maior capacidade de adaptação a estes desafios conseguirão atrair mais capital e, desta forma, assegurar um crescimento rentável. Estamos certos de que a banca portuguesa, tal como o soube fazer nas últimas décadas relativamente a um conjunto de acrescidas exigências, estará à altura destes desafios.