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20 de Dezembro de 2005 às 13:59

O sistema eléctrico e o mercado ibérico (VI)

A criação dos mercados de electricidade alterou o papel das redes, cuja utilização passou a ser condicionada pelas exigências dos produtores e consumidores que no quadro do mercado que se estabeleceu querem ter livre acesso às redes para transportar a ene

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XI. O OPERADOR DE MERCADO IBÉRICO (OMI)

No acordo inicial, integrávamo-nos no OMEL o qual passava no entanto a ter a sede social em Lisboa mas o centro operacional continuava em Madrid. Tratava-se de um arranjo para português ver... O OMEL passava a OMI?

É no entanto um ponto extremamente difícil para qualquer governo pois a plataforma já funcionava em Espanha e não fazia sentido em termos técnicos ignorar essa plataforma e começar de novo, esquecendo o que havia e já funcionava.

Aliás, quando na década de 90, pensei numa bolsa de energia para Portugal, tive a consciência de que uma bolsa é um investimento muito pesado, cuja recuperação exigiria a transacção de quantidades de energia muito maiores do que o mercado português permitiria e por isso só haveria duas hipóteses: a participação em bolsa de dimensão transnacional, como vai acontecer com a nossa integração no Mibel / OMI, ou então a utilização duma plataforma já existente, como a Bolsa de Valores de Lisboa e Porto (BVLP), actual EURONEXT.

A solução que o governo português propôs é inteligente: a OMI terá dois pólos, um em Madrid (o actual OMEL) para a gestão dos contratos de energia diária e intradiária (mercado spot), e outro em Lisboa para a gestão dos contratos a prazo, através dos instrumentos derivados - o OMIP (braço português do OMI) - futuros e opções na linha do referido em VIII.

A parte portuguesa iria pois lançar os contratos a prazo no mercado ibérico, através do OMIP.

De notar que os contratos a prazo têm uma influência decisiva na estabilização dos preços da energia e que, como sabem os financeiros, os mercados de derivados exigem um razoável conhecimento da evolução dos preços «spot» (ou seja da sua volatilidade) o que vai implicar que se houver um mercado de electricidade a funcionar a sério na Península Ibérica, ele nos vai dar o quadro de referência adequado para que os agentes tomem as decisões em relação aos grandes centros electroprodutores. Também aqui, se houver mercado a funcionar, tal poderá em teoria pôr em causa a lógica de planeamento central nas decisões de investimento.

Também, devido à ligação entre os preços no spot e os preços a prazo, se levantem algumas dúvidas no plano técnico à inteligente solução política proposta por Portugal de separação entre os pólos do mercado spot e dos contratos a prazo...

XII. OS OPERADORES FÍSICOS

A experiência de outros mercados organizados, como a NORDPOOL, mostra que é perfeitamente possível a coexistência dos dois, a REN e a REE a gerir os seus respectivos territórios, embora o acordo alcançado aponte para formas de aproximação a prazo dos respectivos operadores (cruzamento de participações?).

XIII. O PAPEL DA TRANSGÁS E A CONVERGÊNCIA GÁS-ELECTRICIDADE

É importante notar-se que, como sempre disse, a empresa de transporte criada por mim e pelo então Secretário de Estado da Energia Dr. Luís Filipe Pereira, a Transgás, desempenha no sistema de gás natural um papel equivalente ao da REN no sistema eléctrico. Como tal, deve ser destacada da GALP ENERGIA, como correctamente propõe o governo, pois que as Centrais de Energia Eléctrica a Gás Natural (convergência entre electricidade e gás) têm de ter liberdade de aprovisionamento de gás natural para poderem competir no Mercado Ibérico Grossista, o que significa utilizarem a Transgás como auto-estrada à qual pagam o «fee» de transporte (Regime TPA).

Neste contexto, a Transgás, por decisão do governo português será integrada na REN, a qual se passará a chamar - REDES ENERGÉTICAS NACIONAIS.

Também o Terminal de Gás Natural Liquefeito e o sistema de armazenamento de gás ficarão a pertencer à REN.

Assim, quando se fala em Operadores Físicos, no quadro de convergência Gás - Electricidade e dum mercado concorrencial na produção eléctrica, há que ver em conjunto as Redes de Transporte de Electricidade e Gás.

XIV. AS INTERLIGAÇÕES PORTUGAL - ESPANHA E O CONGESTIONAMENTO DAS REDES

É perfeitamente compreensível que, para que tenhamos o Mercado Ibérico de Electricidade a funcionar, seja necessário integrar mais as redes portuguesa e espanhola o que significa reforçar as interligações com três novas linhas a 400 KV, como o acordo assinado prevê. A capacidade de interligação influencia a quantidade máxima de energia que poderá ser transportada dum país para o outro.

Se queremos um mercado único, tal implica caminharmos também para uma rede eléctrica ibérica, por forma a minimizar os congestionamentos nos transportes de energia entre as duas redes. Esses congestionamentos, quando se verificarem, implicarão a existência de preços diferentes entre os dois países, tendencialmente mais caros em Portugal devido ao nosso mix tecnológico.

Esta questão do reforço das interligações entre Portugal e Espanha levanta aliás o problema típico do congestionamento das redes que se põe quando se passa de monopólios verticalmente integrados para sistemas de mercado concorrenciais.

É QUE O CONGESTIONAMENTO NUMA REDE TRANSPORTE, NÃO PODE SER RESOLVIDA POR MEIO DE FILAS DE ESPERA (a electricidade não pode esperar...).

Num monopólio verticalmente integrado, o «despacho» (gestão) dos meios de produção e das linhas de transmissão é feita de forma centralizada por um operador que possui o completo conhecimento dos custos de produção das várias centrais e das restrições operacionais (em termos de capacidade de transporte) do sistema. Por outras palavras, a restrição activa das limitações da capacidade de transporte é internalizada na alocação dos geradores e consequente entrada em rede dos mesmos. Tal é feito por uma programação que têm como função objectivo a minimização dos custos de produção, (os geradores entrarão em rede por ordem crescente dos custos variáveis de produção) sujeita às restrições das capacidades de transporte.

Ora, a criação dos mercados de electricidade alterou o papel das redes, cuja utilização passou a ser condicionada pelas exigências dos produtores e consumidores que no quadro do mercado que se estabeleceu querem ter livre acesso às redes para transportar a energia contratada. Mas é obvio que restrições de capacidade de transporte e consequentes congestionamentos poderão dificultar essas trocas comerciais estabelecidas livremente no mercado. Os operadores físicos do sistema serão os responsáveis pelas acções que aliviam os congestionamentos as quais são basicamente: alteração da topologia da rede; leilões de capacidade de transporte disponível; redespacho da geração; «market splitting».

Como é fácil de perceber, esses constrangimentos e a sua gestão têm custos (que são no fundo o «shadow-price» da restrição activa da limitação da capacidade de transporte).

Ora acontece que em bolsa, a lógica de fixação de preços no mercado «spot» descrito no capitulo VIII não considera a rede de transporte. Como se incorpora em mercados eléctricos o custo dessa restrição activa e a consequente gestão de congestionamento no preço «spot» de mercado é outra questão interessante na passagem dos monopólios verticalmente integrados para formas mais próximas de mercado e põe-se igualmente no MIBEL. Em monopólio ou em mercado, o custo económico dos congestionamentos existe e tem de ser pago! (Não há free-lunch!).

APLICAÇÃO DO MIBEL

No mercado ibérico, a aplicação da lei da oferta e da procura ibérica permitiria obter o preço e as quantidades teóricas controladas, se não houvesse restrições técnicas, designadamente a do congestionamento das capacidades de interligação entre os dois países.

Sempre que o encontro global no quadro ibérico entre produção e procura originar um transito de energia superior à capacidade das linhas, ir-se-á redespachar a produção nos dois países, aumentando a produção a partir de centrais do país importador (aquele em que o jogo de mercado impunha um défice da oferta interna em relação à sua procura interna) e excluindo a parte da produção do país exportador que criava o problema de congestionamento.

A integração desse condicionamento nos mecanismos de mercado do MIBEL poderá ser então feita por dois métodos principais:

- «Counter trading», no qual a produção adicional do país importador é remunerada ao valor pelo qual as centrais respectivas oferecem a energia, mantendo-se no mais o preço global do mercado e a remuneração das ofertas já encontradas.

- «Market-splitting», em que se definem dois preços zonais, um para Portugal e outro para Espanha, definidos pela central marginal de cada país (como explicado no capítulo VIII), que servirão para remunerar toda a energia vendida no país respectivo. No fundo, neste caso, é como se as redes (e os respectivos mercados) tivessem sido separados (market-splitting), ficando cada central marginal de cada país a fixar o preço para esse país que constitui então uma zona da rede ibérica (preço zonal).

Deverá certamente seguir-se um modelo híbrido entre estes dois métodos , parecendo óbvio que o «Counter Trading» se aplique apenas no caso de um pequeno volume de produção a redespachar (impacto marginal no funcionamento do MIBEL).

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