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Luigi Zingales - Professor de Finanças 03 de Setembro de 2010 às 14:44

O risco dos bónus

O Parlamento Europeu aprovou na sessão de Julho algumas das mais rígidas regras no mundo dos bónus pagos a banqueiros.

O objectivo é reduzir o risco assumido pelas instituições financeiras.

As novas regras exigem que não mais do que 30% dos bónus seja pago em dinheiro, que entre 40% e 60% seja diferido, pelos menos, três anos e que, no mínimo, 50% seja investido em “capital contingente”, uma nova forma de dívida que pode ser convertida em capital social quando uma empresa financeira está em dificuldades. O aspecto mais inovador das novas regras é que os limites não se aplicam apenas aos presidentes executivos das instituições financeiras mas a todos os gestores de topo (apesar da definição de gestores de topo ser delegada para os parlamentos de cada país).

A alegada justificação para esta enorme intromissão na contratação privada é o efeito sistémico que estes bónus podem ter. Remunerações elevadas no sector bancário, continua a justificação, recompensam o êxito e não penalizam os falhanços. Os gestores podem facilmente mudar de empresa quando as coisas correm mas evitando, assim, qualquer castigo. Este sistema recompensa os gestores que assumem riscos mesmo quando estes são excessivos. Esta distorção é vista como uma das principais causas da crise financeira de 2008.

O problema deste argumento é que não evidência que suporte a ligação entre o montante dos bónus e os riscos assumidos pelos gestores. Muitos estudos tentarem estabelecer uma ligação entre as remunerações dos banqueiros e o risco mas não conseguiram encontrá-la. No máximo, estas pesquisas encontram que quanto mais um executivo recebe mais riscos assume mas não e claro se é uma causa ou uma consequência. Os executivos que trabalham em instituições altamente alvancadas devem pagar mais porque suportam mais riscos.

Estas investigações foram limitadas aos cinco executivos de topo, cujos dados são públicos. Infelizmente, não dados disponíveis para estabelecer uma relação causal entre os bónus de desempenho e os riscos assumidos em níveis de gestão mais baixos.

A este respeito, a Comissão de Inquérito da Crise Financeira (FCIC, sigla em inglês), criada pelo governo dos Estados Unidos, tem uma oportunidade única. Graças aos seus poderes judiciais, a FCIC pode recolher e analisar esses dados. É de esperar que quando o relatório da FCIC for publicado em Dezembro, seja possível responder a essa questão.

Se assumirmos que existe uma relação causal, a directiva da União Europeia parece bastante bem concebida. Mas tem um erro grave. É bem concebida porque não interfere com o nível de compensação (como muitos exigiram) mas com a forma que essa compensação adopta. Exige, não apenas, que a maioria do bónus anual seja diferido três anos, mas também que fique em risco. Se a empresa tiver um mau desempenho durante este três anos, os gestores perderá parte todo o seu bónus acumulado. Isto reduz o incentivo para assumir riscos, apesar de não os eliminar.

O erro grave é que estas restrições podem facilmente ser contornadas, dado que se aplicam apenas aos bónus e os bancos guardam alguma discrição entre o “mix” de salários e bónus. Actualmente, os gestores de instituições financeiras recebem os seus bónus no início de cada ano e o montante do bónus tem por base o desempenho individual do ano anterior. Seria muito fácil transformam o bónus do ano passado, baseado no desempenho do ano passado, em salário deste ano. O salário, que pode ser pago inteiramente em dinheiro, será renegociado todos os anos, permitindo assim contornar todas as restrições regulatórias. Sem intervenção governamental directa, será difícil resolver este problema.

Em grandes instituições financeiras, no entanto, o incentivo de jogar à custa do dinheiro dos contribuintes não se aplica apenas aos gestores; aplica-se também aos detentores de obrigações, que estão efectivamente protegidos pelo governo. Ao ter acesso a crédito assegurado, os accionistas dos bancos consideram irresistível endividar-se excessivamente. Limitar o pagamento de incentivos aos gestores sem alterar os incentivos dos gestores irá forçar os accionistas a participar mais activamente na empresa e escolher outras formas de aumentar o nível de exposição risco.

Se o problema é o risco moral que existe por a instituição ser demasiado grande para falir, a solução não é restringir o pagamento mas eliminar o risco obrigando os accionistas a emitir mais acções ou a perder as suas acções quando a dívida dos bancos começa a tornar-se arriscada. Como Oliver Har e eu explicamos num estudo recente, isto pode ser feito de forma fácil, com uma intervenção dos reguladores sempre que os credit-default swaps (CDS) da dívida das instituições financeiras fiquem demasiado elevados. Se a juntar às alterações dos requisitos de reservas de capital quisermos intervir nos pagamentos, a forma mais eficaz é uma variação do imposto criado pelo antigo primeiro-ministro britânico através Gordon Brown: um imposto especial aplicável a todos os pagamentos acima de um certo limite que não é pago em acções. Este imposto teria dois efeitos positivos: levaria os bancos a recapitalizarem-se, o que iria reduzir o excesso de alavancagem, enquanto forçava os gestores a estarem mais envolvidos no negócio.

Se a solução é tão simples, porque é que não foi aplicada por nenhum órgão eleito democraticamente? O meu receio é que os políticos queiram que os banqueiros os considerem duros mas, na verdade, não têm em interesse em resolver o problema.

Luigi Zingales is Professor of Entrepreneurship and Finance at University of Chicago Graduate School of Business and co-author, with Raghuram G. Rajan, of Saving Capitalism from the Capitalists.


Copyright: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org


For a podcast of this commentary in English, please use this link:
http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/zingales4.mp3






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