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07 de Fevereiro de 2012 às 23:30

O povo, unido

Esperemos que calvinistas hipócritas do Norte ou abusadores encartados do Sul ou zaragatas entre os dois não acabem por dar cabo da construção incompleta mas sagaz a que chamamos Europa.

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Esperemos que calvinistas hipócritas do Norte ou abusadores encartados do Sul ou zaragatas entre os dois não acabem por dar cabo da construção incompleta mas sagaz a que chamamos Europa.

O 25 de Abril dividiu de alto a baixo os portugueses. Já tinham estado divididos pelo Estado Novo a seguir a outra rebelião militar, a 28 de Maio de 1926, ocorrida porque as divisões da República (1910-1926) tornavam o país ingovernável. República essa que, menos de três anos depois do regicídio – "No dia 1 de Fevereiro/Mataram o Rei e o Príncipe Real./ Foi triste cena de horror/No Reino de Portugal" cantavam os ceguinhos, precursores de Internet e de Twitters – fora implantada a 5 de Outubro de 1910 com ajuda militar, porque a monarquia constitucional já não dava conta das divisões do país.

Em Janeiro de 1890, porém, ultimato inglês unira o país num sobressalto patriótico. Obrigara Portugal a renunciar ao interior de África entre Angola e Moçambique, que Lisboa tinha declarado possessão portuguesa por direito histórico. Embora a propaganda republicana acusasse "os Braganças" de cúmplices de Inglaterra, o Rei devolvera a Ordem do Banho e recusara a da Jarreteira. Do outro lado do espectro político Alfredo Keil e Lopes de Mendonça compuseram "A Portuguesa", escolhida vinte anos depois para hino nacional. A consciência patriótica exacerbada pelo ultimato fora para além de discordâncias políticas internas.

Foi assim preciso recuar 120 anos e quatro regimes políticos para encontrar momento de exaltação patriótica comparável ao que se vive agora em Portugal contra as exigências da chamada "troika", vistas por muita gente como ultimato à soberania nacional – desta vez não de Inglaterra desleal mas de União Europeia vergada à vontade de Alemanha todo-poderosa.

Na Europa Ocidental o fim do século XIX foi muito diferente do que é o começo do século XXI e seria vão procurar nesse passado lições para o futuro. Em 1990 a Inglaterra roubou-nos sozinha; em 2012 a Alemanha, enquadrada na Europa, quer obrigar-nos a responsabilidade fiscal (o que certamente nos faria bem: gastar menos do que se ganhe é boa regra para famílias e nações) mas com rigores e prazos que os portugueses acham nocivos para crescimento económico e viabilidade democrática (tal como, "mutatis mutandis", acham gregos, espanhóis, italianos e irlandeses), causando entre nós explosão de amor-próprio ofendido inédita desde a adesão à Comunidades Europeias em 1986.

Seria bom que tal energia não se perdesse em fervores nacionalistas. Mercado único, isto é, livre circulação de bens e serviços entre os 27; comércio exterior, isto é, o peso da União a apoiar exportações nacionais; concorrência, isto é, a Comissão Europeia habilitada legalmente a proibir monopólios de companhias do mundo inteiro – em suma tudo o que os Estados puseram em comum na Europa são o único garante do nosso poder e do nosso conforto. Têm-nos permitido sermos a gente mais mimada do mundo de há meio século para cá.

Esperemos que calvinistas hipócritas do Norte ou abusadores encartados do Sul ou zaragatas entre os dois não acabem por dar cabo da construção incompleta mas sagaz a que chamamos Europa.



Embaixador
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