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04 de Junho de 2010 às 11:47

O PEC e as Parcerias Público- -Privadas no sector da Saúde

Há a suspeita generalizada que o regime de Parcerias Público-Privadas (PPP), na construção e exploração de novos hospitais, venha a representar um eventual sobrecusto futuro para o Estado, agravando ainda mais a já pesada conta do Serviço Nacional de Saúde.

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Há a suspeita generalizada que o regime de Parcerias Público-Privadas (PPP), na construção e exploração de novos hospitais, venha a representar um eventual sobrecusto futuro para o Estado, agravando ainda mais a já pesada conta do Serviço Nacional de Saúde.

Esta suspeita parece servir o propósito de justificar a suspensão do programa de parcerias na saúde, num momento em que menos de metade dos projectos foram lançados e está por fazer a avaliação dos resultados das escassas experiências em curso.

Ao contrário de uma nova auto-estrada ou de um novo aeroporto, um hospital construído em PPP vem substituir um velho hospital, equipamentos obsoletos e infra-estruturas com elevados custos de manutenção. Um hospital em PPP cria uma oportunidade única de reorganização dos serviços clínicos e de introdução de uma mudança cultural profunda, colocando o utente no centro do sistema.

O programa inicial de PPP para o sector da saúde, apresentado em 2002, contemplava o lançamento de 10 hospitais, tendo como objectivo a modernização de cerca de 25% do parque público hospitalar. Desses, apenas 2 hospitais seriam novos hospitais a acrescentar à rede (Loures e Sintra) dado que os restantes se destinavam a substituir unidades já existentes. A opção pelo modelo de PPP fundava-se na expectativa de que a competição entre vários tipos de parceiros acrescentava eficiência e qualidade a todo o sistema, ainda hoje confrontado com listas de espera, baixos níveis de serviço e custos crescentemente incomportáveis.

O racional para a tomada de decisão partiu da análise dos enormes desvios orçamentais verificados (mais 22% a 168%) e dos desvios dos tempos de execução de obra (em média, mais de 4 anos) dos 10 últimos hospitais construídos sob administração directa do Estado, conforme patente no quadro anexo.

O modelo de PPP escolhido estabeleceu dois veículos diferentes para a construção e a gestão clínica, em cada concurso. Estimulou-se a formação de consórcios, entre empresas de construção e operadores de prestação de cuidados de saúde, com a ideia de criar uma certa tensão negocial entre os dois veículos do consórcio, a qual viria a resultar em benefício do preço e da qualidade do projecto.

Os concursos garantiam um contrato com um prazo de 30 anos para a construção do edifício e de 10 anos para a gestão clínica do hospital. No final de cada ciclo de 10 anos o Estado decidiria da vantagem de manter o operador clínico, substituí-lo por outro ou assumir a gestão directa do hospital.

Previu-se um período de 4 anos para o lançamento e selecção de concorrentes para os 10 hospitais. Ao fim de 8 anos o programa está reduzido a 4 concursos lançados no modelo inicial (Cascais, Braga, Vila Franca de Xira e Loures) dos quais resultaram já 3 adjudicações (Cascais, Braga e Loures). Foram entretanto lançados 2 novos concursos, numa nova modalidade, em que o Estado apenas adjudica a construção e manutenção.

A avaliação das propostas dos concorrentes toma como referencial o designado Custo Público Comparável, ou seja, o valor estimado para a construção e gestão do hospital, para um mesmo período, caso este fosse directamente administrado pelo Estado, e, a pontuação final dos concorrentes resulta da apreciação de uma grelha de critérios, onde a qualidade técnica representa 45% e o preço cerca de 38%. É de realçar que no cálculo do custo público comparável se toma por referência o custo de exploração dos melhores hospitais portugueses.

A alteração de estratégia decidida pelo Governo, ao limitar os novos concursos apenas à construção dos hospitais e excluir os operadores privados da gestão clínica, não foi ainda suficientemente fundamentada mas fez-se circular a ideia de que o Estado dispõe de recursos internos suficientes para fazer a gestão clínica dos hospitais, sendo chamado o sector privado a acorrer apenas à construção, manutenção e financiamento da obra.

Os resultados obtidos nos 4 concursos lançados no modelo inicial de PPP (construção e gestão clínica) apontam para uma poupança potencial, actualizada, de 827 milhões de euros, face ao respectivo custo público comparável (menos 26%).

Os resultados obtidos nos 2 concursos lançados na nova lógica, limitados à construção e excluindo o operador da gestão clínica, evidenciam, pelo contrário, um potencial sobrecusto de cerca de 30 a 60% em face do custo público comparável, segundo as propostas apresentadas pelas construtoras concorrentes. Não se conhece a decisão que será tomada sobre estes últimos concursos. O mercado aguarda atento.

A grave crise financeira que Portugal atravessa e que uma vez mais colocou o País em sobressalto, obriga a desmistificar e avaliar com rigor o modelo de PPP na Saúde.
A efectiva vantagem da transferência de risco, não observável em outros sectores, pode aumentar o interesse estrutural e conjuntural das PPP como instrumento de contenção da despesa pública de saúde.

Existe o risco de a qualidade de gestão ficar abaixo das expectativas? Há risco de desvio no tempo e no custo de construção? Haverá risco de selecção adversa de doentes? É pouco provável. Nenhum operador gostaria de abrir os telejornais por essa razão. Esse risco poderia ser menor face ao desempenho de uma equipa de gestão nomeada pelo Estado?

O primeiro projecto em marcha, o Hospital de Cascais, adjudicado aos HPP, abriu para já dentro do prazo (28 meses), cumprindo os requisitos em menos de metade do tempo médio verificado na abertura dos 10 últimos hospitais construídos pelo Estado e sem qualquer risco de derrapagem orçamental à conta do Estado.

Persiste, contudo, um risco realmente importante. Esse risco, é o risco de o Estado não acompanhar a operação, de forma competente e eficaz ou de o Estado não exercer os seus poderes de supervisão, em tempo devido e oportuno. Esse risco pode, porém, ser minimizado.

Em tempo de PEC seria de grande coragem política que o Ministério da Saúde determinasse, já em 2010, que todos os hospitais do perímetro do SNS, qualquer que seja a sua natureza jurídica, apresentassem o mesmo painel de indicadores a que estão obrigados os operadores dos contratos de gestão clínica em regime PPP (120 indicadores de qualidade, actividade, financeiros e de nível de serviço) publicando-os, uns e outros, mensalmente, no Portal da Saúde.

Ficaríamos todos mais tranquilos. Uns e outros teriam a mesma base de informação. Uns e outros seriam comparados pelos resultados e não pelas intenções. Todos ficariam sujeitos a escrutínio público.

A solução das parcerias pode ser excelente, boa, medíocre ou péssima. Depende das condições concretas de assinatura dos contratos e das intenções do governo e dos parceiros privados. Para os contribuintes e para os utentes, será uma solução boa ou excelente se ficar demonstrado que: é mais barata na construção; é feita dentro dos prazos; procede à distribuição justa de riscos; fica aquém dos custos de substituição; resulta da equiparação entre hospitais públicos e privados no cumprimento de critérios de qualidade e serviço; e é acompanhada de fiscalização por entidade independente, tal como deveriam ser os hospitais públicos. O País agradecia. O PEC exige-o.


10 últimos hospitais construídos sob administração directa do Estado


Economista





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