Opinião
Hospitais sem controlo
Os hospitais representam sensivelmente 50% da despesa total do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Os restantes 50% distribuem-se pelos cuidados primários e continuados, convenções de meios complementares de diagnóstico e pela comparticipação de medicamentos.
A Crise financeira e orçamental impõe que o esforço de contenção da despesa se concentre nos hospitais. Não será possível reduzir muito mais os preços das convenções, limitar a comparticipação de medicamentos ou diminuir os cuidados primários e continuados. Se esta componente falhar, não haverá redução da despesa pública de saúde. A missão é perigosa. O esforço é duplamente exigente: contrariar a tendência de crescimento dos gastos e ainda reduzir na despesa anterior!
De tempos a tempos vem a lume a ideia de que a transformação dos hospitais em hospitais empresa "visava apenas uma desorçamentação" para esconder parte da despesa pública de saúde.
Este mito é de tal forma recorrente que até aqueles que por questões meramente ideológicas fingem discordar, mas que na realidade têm acelerado o número de hospitais "empresarializados" e maior número de novas obras entregue em regime de parceria, se começam a sentir desconfortáveis ao não ter outros instrumentos a que recorrer, como verdadeiros motores na obtenção de maior eficiência na difícil gestão do sector.
Sabemos todos que a alternativa é reduzir o acesso, como pretendem levar a cabo na ADSE, ou fechar hospitais.
Haverá desorçamentação das contas dos hospitais?
Ficarão mais caros aos contribuintes os hospitais transformados em empresa?
A evidência vem demonstrando exactamente o contrário. Os hospitais empresa têm contas mais transparentes, são mais eficientes e têm produzido melhores resultados para a população. A publicação das suas contas anuais rompeu com uma prática de opacidade da informação na rede pública de saúde.
O montante anual do financiamento atribuído a cada hospital é contabilizado como despesa pública, dentro do orçamento do SNS e não fora dele, igual a qualquer outro hospital do sector administrativo, embora de forma mais transparente quanto aos seus resultados.
A ideia fundamental que presidiu ao processo de empresarialização dos hospitais, com crescimentos históricos incomportáveis, foi corrigir a prática existente, no SNS, de financiar os hospitais com base nas suas despesas correntes (inputs), passando a financiá-los por "outputs", ou seja, tornar explícito um compromisso concreto de produção, em actos médicos ou episódios de internamento. Assim se foi conseguindo reduzir listas de espera e melhorar a eficiência na aplicação dos dinheiros públicos.
Na boa tradição portuguesa passamos a vida a pôr tudo em causa. Perderam-se vários anos a discutir se os hospitais empresa faziam selecção adversa de doentes, se pioravam a qualidade ou se eram uma mera investida "economicista", argumento frequente para contestar qualquer mudança.
A desresponsabilização da gestão dos hospitais
O problema dos hospitais é, contudo, outro. É um grave problema de gestão que começa na mensagem confusa sobre a sua natureza jurídica e termina na insegurança das suas regras de gestão, interpretadas de forma diferente consoante os titulares da pasta.
Fusões sem conteúdo, criação de centros hospitalares sem qualquer economia de escala, serviços partilhados que geram mais encargos que poupanças, conselhos de administração sobredimensionados, interferências normativas da tutela na gestão corrente dos recursos, desresponsabilização dos gestores e falta de acompanhamento regular do desempenho, só poderia dar numa situação complicada.
Os resultados estão à vista. Os tempos de resposta para cirurgia, embora melhores, estão longe do que podem e devem. A marcação de consultas de especialidade continua a ser um drama. A insatisfação dos utentes e dos profissionais de saúde é cada vez maior. A situação financeira degradou-se como nunca. A dívida total (ao fundo criado para pagar dívidas, à indústria farmacêutica e aos restantes fornecedores) estima-se que possa atingir algo tão preocupante como cerca de 50% do valor do financiamento anual.
Sabe-se que é muito, que é despesa pública adiada e que pode comprometer seriamente a continuidade do Serviço Nacional de Saúde.
Insistimos na "accountability" que não deve servir apenas para discursos. É imperioso que todos os hospitais que integram o SNS, sejam SPA, EPE ou PPP, reportem mensalmente a sua produção e despesa, de forma pública. Não é preciso inventar nada: pode usar-se o painel de indicadores a que estão obrigados os operadores das parcerias e o Portal da Saúde como veículo de publicação.
Os responsáveis políticos anunciaram que 2010 seria o ano dos hospitais. Fizeram-se estudos, criaram-se grupos de trabalho e um plano de contenção. Prometem que em 2011 é que é a valer. Garante-se com menos dinheiro que se irá fazer mais, sem limitar o acesso nem perder a qualidade. Pede-se mais empenho aos "profissionais de saúde", aos quais, em nome do interesse público irão diminuir os ordenados.
Não há tempo a perder mas, suspeita-se, só um milagre, infelizmente, nos poderá salvar.
Economista
A Crise financeira e orçamental impõe que o esforço de contenção da despesa se concentre nos hospitais. Não será possível reduzir muito mais os preços das convenções, limitar a comparticipação de medicamentos ou diminuir os cuidados primários e continuados. Se esta componente falhar, não haverá redução da despesa pública de saúde. A missão é perigosa. O esforço é duplamente exigente: contrariar a tendência de crescimento dos gastos e ainda reduzir na despesa anterior!
Este mito é de tal forma recorrente que até aqueles que por questões meramente ideológicas fingem discordar, mas que na realidade têm acelerado o número de hospitais "empresarializados" e maior número de novas obras entregue em regime de parceria, se começam a sentir desconfortáveis ao não ter outros instrumentos a que recorrer, como verdadeiros motores na obtenção de maior eficiência na difícil gestão do sector.
Sabemos todos que a alternativa é reduzir o acesso, como pretendem levar a cabo na ADSE, ou fechar hospitais.
Haverá desorçamentação das contas dos hospitais?
Ficarão mais caros aos contribuintes os hospitais transformados em empresa?
A evidência vem demonstrando exactamente o contrário. Os hospitais empresa têm contas mais transparentes, são mais eficientes e têm produzido melhores resultados para a população. A publicação das suas contas anuais rompeu com uma prática de opacidade da informação na rede pública de saúde.
O montante anual do financiamento atribuído a cada hospital é contabilizado como despesa pública, dentro do orçamento do SNS e não fora dele, igual a qualquer outro hospital do sector administrativo, embora de forma mais transparente quanto aos seus resultados.
A ideia fundamental que presidiu ao processo de empresarialização dos hospitais, com crescimentos históricos incomportáveis, foi corrigir a prática existente, no SNS, de financiar os hospitais com base nas suas despesas correntes (inputs), passando a financiá-los por "outputs", ou seja, tornar explícito um compromisso concreto de produção, em actos médicos ou episódios de internamento. Assim se foi conseguindo reduzir listas de espera e melhorar a eficiência na aplicação dos dinheiros públicos.
Na boa tradição portuguesa passamos a vida a pôr tudo em causa. Perderam-se vários anos a discutir se os hospitais empresa faziam selecção adversa de doentes, se pioravam a qualidade ou se eram uma mera investida "economicista", argumento frequente para contestar qualquer mudança.
A desresponsabilização da gestão dos hospitais
O problema dos hospitais é, contudo, outro. É um grave problema de gestão que começa na mensagem confusa sobre a sua natureza jurídica e termina na insegurança das suas regras de gestão, interpretadas de forma diferente consoante os titulares da pasta.
Fusões sem conteúdo, criação de centros hospitalares sem qualquer economia de escala, serviços partilhados que geram mais encargos que poupanças, conselhos de administração sobredimensionados, interferências normativas da tutela na gestão corrente dos recursos, desresponsabilização dos gestores e falta de acompanhamento regular do desempenho, só poderia dar numa situação complicada.
Os resultados estão à vista. Os tempos de resposta para cirurgia, embora melhores, estão longe do que podem e devem. A marcação de consultas de especialidade continua a ser um drama. A insatisfação dos utentes e dos profissionais de saúde é cada vez maior. A situação financeira degradou-se como nunca. A dívida total (ao fundo criado para pagar dívidas, à indústria farmacêutica e aos restantes fornecedores) estima-se que possa atingir algo tão preocupante como cerca de 50% do valor do financiamento anual.
Sabe-se que é muito, que é despesa pública adiada e que pode comprometer seriamente a continuidade do Serviço Nacional de Saúde.
Insistimos na "accountability" que não deve servir apenas para discursos. É imperioso que todos os hospitais que integram o SNS, sejam SPA, EPE ou PPP, reportem mensalmente a sua produção e despesa, de forma pública. Não é preciso inventar nada: pode usar-se o painel de indicadores a que estão obrigados os operadores das parcerias e o Portal da Saúde como veículo de publicação.
Os responsáveis políticos anunciaram que 2010 seria o ano dos hospitais. Fizeram-se estudos, criaram-se grupos de trabalho e um plano de contenção. Prometem que em 2011 é que é a valer. Garante-se com menos dinheiro que se irá fazer mais, sem limitar o acesso nem perder a qualidade. Pede-se mais empenho aos "profissionais de saúde", aos quais, em nome do interesse público irão diminuir os ordenados.
Não há tempo a perder mas, suspeita-se, só um milagre, infelizmente, nos poderá salvar.
Economista
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