Opinião
ADSE em iminente perigo de extinção
A experiência da ADSE na gestão de um plano de saúde
A experiência da ADSE na gestão de um plano de saúde com mais de 1,3 milhões de utentes tornou-se um excelente exemplo que permitiu comprovar ser possível conciliar a liberdade de escolha com um menor esforço de despesa pública, apesar de um co-pagamento voluntário mais elevado, por parte dos seus utentes. Em vez de matar a ADSE seria bem melhor fazer a convergência dos dois sistemas públicos, alcançando uma nova solução para o SNS.
É da responsabilidade do Estado garantir o livre exercício do consagrado direito à saúde da forma mais eficiente possível. A experiência portuguesa tem sido singular. Têm coexistido dois sistemas públicos: o SNS, que se aplica à generalidade da população e a ADSE (e outros subsistemas públicos) que têm assegurado a cobertura dos funcionários públicos, dos militares e dos respectivos familiares, representando cerca de 15% dos portugueses.
Um e outro sistema têm cumprido o seu papel de garantir cuidados de saúde à população e são responsáveis, nas últimas décadas, pela melhoria dos indicadores de saúde. Contudo, um olhar mais atento a cada um dos sistemas revela diferenças consideráveis na forma como asseguram a respectiva protecção da população.
Um beneficiário da ADSE, numa situação de doença, pode escolher o seu médico, realizar exames complementares de diagnóstico (análises clínicas, radiografias ou outros exames) em clínica da sua escolha. Pode mesmo fazer um internamento cirúrgico numa unidade privada ou social, convencionada pela ADSE. Um utente do SNS não pode.
O acesso a uma consulta de especialidade, onde se encontra o nó górdio do SNS, obriga os utentes do SNS a longos e injustos tempos de espera. O utente da ADSE pode consultar qualquer médico convencionado.
Reduzir o tempo de espera, em vários meses em muitos casos, e poder escolher um médico ou um hospital é em si uma diferença muito importante, geradora, no doente, de um nível de satisfação muito superior. A poupança em horas de trabalho não perdidas é também um factor importante a considerar.
O tema ganha ainda mais interesse quando comparamos o custo relativo dos dois sistemas. Os cuidados de saúde prestados a um utente do SNS custaram em 2007, aos nossos impostos, 938 euros, por pessoa. Os mesmos cuidados, prestados a um beneficiário da ADSE, com relativa liberdade de escolha, custaram, no mesmo ano, 780 euros, ou seja menos 17%. Em 2008 e 2009 o valor verificado na ADSE foi de 811 e 776 euros, respectivamente, enquanto os custos do SNS estão completamente descontrolados sem que os responsáveis consigam mostrar quanto se gastou.
Duvidosa racionalidade: mais caro, mais injusto, pior para todos
Entre as medidas de "salvação nacional" preconizadas no OE de 2011 encontra-se uma pretensa orientação de racionalização da ADSE, criando uma espécie de seguro de saúde que mais tarde a vai dispensar e matar. A finalidade é discutível. A oportunidade não podia ser pior.
Quanto à finalidade, devemos interrogar-nos se fará sentido acabar, ao fim de todos estes anos, com uma experiência que permitiu melhores resultados que o SNS. O custo por pessoa tratada foi em média mais baixo, a quota-parte financiada pelo erário público foi proporcionalmente muito menor, o acesso dos utentes foi maior, a qualidade de serviço foi melhor e o utente habituou-se a ter comportamentos responsáveis pois suporta parte do seu custo.
A oportunidade é absolutamente inadequada. Chega num momento em que os funcionários públicos serão atingidos, pela primeira vez na democracia portuguesa, por graves cortes nos salários e nas regalias sociais e, as famílias, em geral, sofrerão pesadas reduções no seu rendimento disponível.
A proposta de racionalização da ADSE, contida no OE 2011, para a "…redução de custos através da revisão de procedimentos, diferenciação dos preços dos prestadores, controlo de volume de actos e serviços de saúde elegíveis aos beneficiários, parametrização da quantidade de actos por beneficiário…" seriam medidas aceitáveis pelo Ministério da Saúde para aplicar no âmbito do SNS?
A "criação de uma contribuição por parte da entidade patronal" (leia-se Estado), na ordem dos 3% sobre a massa salarial a que acresce o desconto já existente de 1,5% por parte dos beneficiários e pensionistas, num País que consagra que a saúde seja tendencialmente gratuita e suportada pela via indirecta dos impostos, será uma norma constitucionalmente viável?
O tipo de medidas propostas para "racionalizar" a ADSE levanta sérias reservas sob o ponto de vista económico, ético e até jurídico e constitucional.
Fará sentido acabar com um sistema que gasta menos em medicamentos, por pessoa? Consome menos meios complementares de diagnóstico? Tem internamentos menos onerosos? Tem sido melhor gerida que o SNS? Haverá como propósito acabar com o sector privado e social, prestador de cuidados e obrigar os funcionários públicos a aumentar as listas de espera do SNS?
O desafio de racionalização vai na direcção exactamente oposta do que seria necessário, ou seja, fazer convergir ambos os modelos, ADSE e SNS, para um único sistema que ofereça o melhor dos dois.
A ADSE tem um valor simbólico e afectivo para os seus utilizadores que o Governo não alcançou. Muitas famílias portuguesas beneficiaram dela ao longo de gerações sucessivas. Não vai ser fácil acabar com a ADSE.
Estranha forma de defender o Estado social…
Economista
É da responsabilidade do Estado garantir o livre exercício do consagrado direito à saúde da forma mais eficiente possível. A experiência portuguesa tem sido singular. Têm coexistido dois sistemas públicos: o SNS, que se aplica à generalidade da população e a ADSE (e outros subsistemas públicos) que têm assegurado a cobertura dos funcionários públicos, dos militares e dos respectivos familiares, representando cerca de 15% dos portugueses.
Um beneficiário da ADSE, numa situação de doença, pode escolher o seu médico, realizar exames complementares de diagnóstico (análises clínicas, radiografias ou outros exames) em clínica da sua escolha. Pode mesmo fazer um internamento cirúrgico numa unidade privada ou social, convencionada pela ADSE. Um utente do SNS não pode.
O acesso a uma consulta de especialidade, onde se encontra o nó górdio do SNS, obriga os utentes do SNS a longos e injustos tempos de espera. O utente da ADSE pode consultar qualquer médico convencionado.
Reduzir o tempo de espera, em vários meses em muitos casos, e poder escolher um médico ou um hospital é em si uma diferença muito importante, geradora, no doente, de um nível de satisfação muito superior. A poupança em horas de trabalho não perdidas é também um factor importante a considerar.
O tema ganha ainda mais interesse quando comparamos o custo relativo dos dois sistemas. Os cuidados de saúde prestados a um utente do SNS custaram em 2007, aos nossos impostos, 938 euros, por pessoa. Os mesmos cuidados, prestados a um beneficiário da ADSE, com relativa liberdade de escolha, custaram, no mesmo ano, 780 euros, ou seja menos 17%. Em 2008 e 2009 o valor verificado na ADSE foi de 811 e 776 euros, respectivamente, enquanto os custos do SNS estão completamente descontrolados sem que os responsáveis consigam mostrar quanto se gastou.
Duvidosa racionalidade: mais caro, mais injusto, pior para todos
Entre as medidas de "salvação nacional" preconizadas no OE de 2011 encontra-se uma pretensa orientação de racionalização da ADSE, criando uma espécie de seguro de saúde que mais tarde a vai dispensar e matar. A finalidade é discutível. A oportunidade não podia ser pior.
Quanto à finalidade, devemos interrogar-nos se fará sentido acabar, ao fim de todos estes anos, com uma experiência que permitiu melhores resultados que o SNS. O custo por pessoa tratada foi em média mais baixo, a quota-parte financiada pelo erário público foi proporcionalmente muito menor, o acesso dos utentes foi maior, a qualidade de serviço foi melhor e o utente habituou-se a ter comportamentos responsáveis pois suporta parte do seu custo.
A oportunidade é absolutamente inadequada. Chega num momento em que os funcionários públicos serão atingidos, pela primeira vez na democracia portuguesa, por graves cortes nos salários e nas regalias sociais e, as famílias, em geral, sofrerão pesadas reduções no seu rendimento disponível.
A proposta de racionalização da ADSE, contida no OE 2011, para a "…redução de custos através da revisão de procedimentos, diferenciação dos preços dos prestadores, controlo de volume de actos e serviços de saúde elegíveis aos beneficiários, parametrização da quantidade de actos por beneficiário…" seriam medidas aceitáveis pelo Ministério da Saúde para aplicar no âmbito do SNS?
A "criação de uma contribuição por parte da entidade patronal" (leia-se Estado), na ordem dos 3% sobre a massa salarial a que acresce o desconto já existente de 1,5% por parte dos beneficiários e pensionistas, num País que consagra que a saúde seja tendencialmente gratuita e suportada pela via indirecta dos impostos, será uma norma constitucionalmente viável?
O tipo de medidas propostas para "racionalizar" a ADSE levanta sérias reservas sob o ponto de vista económico, ético e até jurídico e constitucional.
Fará sentido acabar com um sistema que gasta menos em medicamentos, por pessoa? Consome menos meios complementares de diagnóstico? Tem internamentos menos onerosos? Tem sido melhor gerida que o SNS? Haverá como propósito acabar com o sector privado e social, prestador de cuidados e obrigar os funcionários públicos a aumentar as listas de espera do SNS?
O desafio de racionalização vai na direcção exactamente oposta do que seria necessário, ou seja, fazer convergir ambos os modelos, ADSE e SNS, para um único sistema que ofereça o melhor dos dois.
A ADSE tem um valor simbólico e afectivo para os seus utilizadores que o Governo não alcançou. Muitas famílias portuguesas beneficiaram dela ao longo de gerações sucessivas. Não vai ser fácil acabar com a ADSE.
Estranha forma de defender o Estado social…
Economista
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