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O novo mapa judiciário

Quase todos os que criticam o novo mapa judiciário ou fizeram bem pior quando tiveram responsabilidades ou jamais apresentaram uma proposta alternativa. Mas este é o discurso público que vinga em Portugal.

A ministra da Justiça teve a coragem de fazer aquilo que era inevitável desde há vários meses. Mandou às urtigas um mapa judiciário aberrante, completamente ineficaz, fruto da demagogia que governou durante anos. Esse mesmo mapa judiciário que o Governo Sócrates vendeu à troika como fazendo uma reforma profunda na organização e gestão dos tribunais que na verdade não fazia (evidentemente que a troika percebeu depois que tinha sido induzida em erro e tratou de desfazer-se do faz-de-conta proposto pelos responsáveis portugueses). Um mapa judiciário que o próprio Governo Sócrates nunca conseguiu implementar por falta de recursos financeiros e humanos.

A nova proposta do Ministério da Justiça não é perfeita, nem pouco mais ou menos. Veremos a versão final e até que ponto os múltiplos interesses corporativos vão conseguir boicotar qualquer mudança profunda. Mesmo a versão inicial tem as suas limitações. Por exemplo, num tema que tenho defendido há muitos anos, poderia ter sido bem mais ambicioso na reorganização dos tribunais superiores. Parece claro que o Governo abdicou de mexer aí. Mas a nova proposta do Ministério da Justiça tem a grande vantagem de admitir o encerramento de muitos tribunais, mesmo que provavelmente não tantos como deveria ser. Para mais, o encerramento de tribunais é explicado de forma relativamente transparente; essencialmente tribunais que não se justificam dada a fraca procura potencial. Um passo absolutamente certo.

Com certeza que existem muitas críticas ao novo mapa judiciário. Mas a pobreza do discurso público em Portugal revela-se também na crítica que teve eco na comunicação social. Em vez de apontar a falta de ambição ou possíveis incongruências técnicas, a critica pública faz-se por três lados. Primeiro, da parte dos antigos responsáveis do Governo Sócrates, dizendo que o mapa em fase experimental era perfeito e o novo não obedece a critério racionais. Na verdade, é preciso muita lata vindo de quem vem. Não só fizerem bem pouco durante seis anos, mas agora ainda defendem uma obra que não existe. Segundo, dos vários interesses e sectores corporativos, que são sempre favoráveis às reformas no abstracto mas sempre contra no concreto. Com isso conseguiram sempre que nada realmente mude. Mesmo com uma crise aguda na justiça, os interesses corporativos seguem a sua agenda sem contemplações para o interesse geral. Finalmente, a demagogia no seu melhor. Fechar tribunais afasta o cidadão da justiça. Podia repetir? O que afasta o cidadão da justiça é morosidade e o custo. Um mapa judiciário com metades dos actuais tribunais e com uma boa gestão aumentará a celeridade e poderá reduzir o custo. Se assim for certamente aproximará a justiça do cidadão. E se assim não é, essa deveria ser a critica. Mas a demagogia impera porque é fácil e inconsequente. Quase todos os que criticam o novo mapa judiciário ou fizeram bem pior quando tiveram responsabilidades ou jamais apresentaram uma proposta alternativa. Mas este é o discurso público que vinga em Portugal. Também por isso estamos onde estamos.


Professor de Direito da University of Illinois
nuno.garoupa@gmail.com
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