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Opinião
29 de Abril de 2005 às 13:59

O novelo (II)

A «pobreza energética» do nosso País (mais) aconselha a que não desperdicemos milhões de toneladas / equivalente de petróleo, comprometendo a competitividade das empresas.

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No artigo de há 15 dias explicava que a «pobreza energética» do nosso País (mais) obriga a que não desdenhemos os recursos renováveis que possuímos, mesmo que não sejam suficientes para satisfazer as necessidades nacionais.

Explicava que a «pobreza energética» do nosso País (mais) aconselha a que não desperdicemos milhões de toneladas / equivalente de petróleo, comprometendo a competitividade das empresas e fragilizando / «vulnerabilizando» a economia nacional.

Referia que o pobre não deve desdenhar, não deve desperdiçar e deve organizar o pouco que tem.

Vem isto a propósito de sucessivos Governos, em termos políticos e enquanto accionistas das principais empresas nacionais responsáveis pela oferta da energia, terem gasto o tempo a decidirem mal ou a não decidirem.

Como referia em Janeiro de 2003, num artigo que chamei os «Legos na Energia», que são «iluminadamente» cismados em processos autistas - embora com o recurso a muitos consultores - têm redundado em custos colossais para o País e para as empresas do sector, logo, para o cidadão / consumidor.

E continuava:

- Acontece que quem acompanhe e conheça há largos anos o que tem sido a «engenharia empresarial», ditada pela tutela / accionista Estado, não pode deixar de sentir algum arrepio sobre a solidez e determinação que estão na base destas decisões estratégicas.

O que a história conta é que boa parte dessas medidas foram tomadas de forma inopinada, oportunista, inconsequente, enfim pouco madura.

Esta constatação, quando se volta a falar em «reengenharias empresariais», permite retirar algumas lições essenciais:

- Antes de «engatilhar» um novo modelo empresarial, há que ter ideias muito claras sobre o mercado energético português desejável e possível e as «interferências» do mercado espanhol e europeu. Trata-se de um assunto político. A ferramenta que forjamos é determinada pelo contexto em que vai trabalhar.

- Ainda falando em mercados, há também que ter uma decisão sólida sobre se se pretende ou não abandonar a ideia, que fez moda nos últimos anos, de empresas energéticas actuarem em diferentes fieiras energéticas e noutras «utilidades», como as telecomunicações, água e outros serviços nomeadamente do ambiente. Trata-se de um assunto político, aqui também acolitado pela avaliação dos accionistas. No fundo, a diversificação desejada quer em negócios, quer em mercados geográficos.

Tem sido esta elementar falta de precisão de ideias que tem levado, nomeadamente nos últimos anos, a constantes indecisões ou decisões inconsequentes sobre os chamados parceiros estratégicos e «stops and goes» sobre áreas de negócio e mercados geográficos.

Só num segundo plano se colocam questões que, também não podem continuar a ser subestimadas, como acautelar «boas regras da arte» técnicas, inerentes aos negócios energéticos em causa, a entropia provocada pela «miscigenação» das culturas empresarias, entre outras.

A dúvida e desconfiança sobre os «rumores que correm» é tanto mais legítima quando o que se tem conhecimento fica por pronunciamentos soltos e parcelares, mais ou menos emocionais sobre centros de decisão nacionais, sobre perda de valor accionista da EDP, sobre urgências de privatização da GALP por razões de contas públicas, gostar-se mais ou menos de protagonismos e dos protagonistas?

É manifestamente pouco e um ambiente envenenado para dar um passo tão decisivo!

O grave é que este tactear, acarreta elevados prejuízos para as empresas e para o desenvolvimento do sector energético, num complexo «trend» histórico de mudança que não se compadece com experiências.»

Estes parágrafos foram escritos há mais de dois anos e, infelizmente, o tempo veio a confirmar as minhas suspeitas à época.

Em particular, sobre a então declarada intenção de fundir o gás natural na EDP, comentava noutro artigo com o título «CRGE - Perigo de Morte!»:

«Qual o quadro desejável para o sistema energético nacional no futuro? Que penetração da electricidade na oferta de energia final? A que fontes primárias vamos recorrer para a sua produção? Pretendemos cumprir o compromisso com a UE e Kyoto sobre a descarbonização, nomeadamente na produção eléctrica?

Fazemos mais renováveis e térmicas a gás e substituem-se centrais a fuel e carvão? Essas centrais a gás vão ser da EDP / CPPE ou de outros operadores?

E qual a penetração desejável para o gás natural enquanto energia final? Que quantidades e percentagens irão para queimar nas centrais eléctricas, para o aquecimento e para os veículos? E o que fica para o petróleo, sujeito a enorme pressão no GPL, no fuel, nas margens de comercialização das gasolinas e gasóleos, enfim, da ex-Petrogal?

A estas e outras questões relativas ao sistema energético, acrescem as equações empresariais, parte resultantes da resposta aos anteriores itens, parte, fruto de desenvolvimentos empresariais exógenos, apenas parcialmente previsíveis.

Estudar a estratégia que vem sendo prosseguida por empresas como a ENI, a EDF ou a ENEL na Península Ibérica, não será despiciendo. A actuação das empresas espanholas, a forma como se constrói o MIBEL, são dados relevantes para antecipar os passes que a EDP e GALP vão ter de dançar.

Não sendo aqui possível opinar sobre esta complexa malha de problemas relevantes para fundamentar decisões cabe, contudo, dar nota sobre um tema que vem sendo muito falado nos meios energéticos: «juntar» a electricidade com o gás natural.

No meio dos que defendem este passo, fundamenta-se a opção apenas na constatação de que a produção eléctrica tende a recorrer crescentemente ao uso do gás natural enquanto combustível primário.

Enfim, ressuscitar uma CRGE. Perigo de Morte!

Perigo de morte desde logo para o desenvolvimento do gás natural enquanto fieira energética autónoma - como acontece nos países europeus - nomeadamente concorrente da electricidade nos principais usos domésticos, muitos industriais e nos serviços, no importante mercado do aquecimento e mesmo na tracção veicular.

Perigo de morte para a desejada transparência de preços e competitividade entre as centrais a gás operadas pela EDP, as duas centrais de grande porte já operadas por outras empresas e as dezenas de centrais de menor porte de ciclo combinado e cogeração a gás.

A história está repleta de exemplos - inclusive com a CRGE na região de Lisboa, no contexto das décadas de 70 e 80 - de empresas eléctricas que «atrofiam» o desenvolvimento do mercado do uso final do gás natural, para venderem «mais valor acrescentado».

Trata-se de uma má opção para o uso racional da energia, logo para a autonomia energética do País e para o ambiente, bem como para a transparência do mercado e concorrência entre produtos / serviços energéticos, logo para os consumidores finais, produtivos e domésticos.

Alguns argumentam que tal fusão poderia trazer um novo «fôlego de valor» às empresas, nomeadamente à EDP, como razão principal para avançar na decisão, ou que as centrais por ela operadas compram o gás caro.

Para além da EDP deter já uma participação relevante na GALP que, se exercer, lhe permite fazer ouvir os seus interesses, no quadro das directivas comunitárias de liberalização dos mercados europeus do gás e electricidade, nada impede que a empresa recorra ao mercado para adquirir o gás que necessita e que a Transgás opere, em condições «neutras».

Pois é, isto dizia eu há dois anos e nem me passava pela cabeça que Bruxelas não estava a ser «trabalhada», ou mesmo informada destes «legos».

O mais frustrante é que, não sendo eu visionário, nem me tomando por génio, qualquer pessoa com responsabilidade política e empresarial no sector, tinha a obrigação de não cometer erros, que hoje condicionam empresas tão importantes para o País, como são a EDP, a GALP, a GDP, a REN e a TRANSGÁS.

As distorções e indefinições criadas limitam e prejudicam hoje profundamente aquelas empresas, em particular a GALP e a EDP, com reflexos na política energética, desejavelmente dinâmica e protagonizada pelas empresas, contando com o mercado, devendo apenas ter em conta orientações políticas gerais, consequentes e perenes. Estas, devem «apenas» criar as condições, dar os sinais, para os agentes económicos actuarem no sentido de caminharmos para um sistema energético seguro, eficiente, promotor do uso racional da energia, aproveitando com a máxima racionalidade os recursos endógenos e acautelando os efeitos negativos sobre o ambiente.

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