Opinião
O "fenómeno Ségolène"
À data em que escrevo estas linhas desconheço ainda o resultado das eleições presidenciais francesas. Contudo, estas estão já irreversivelmente marcadas por um acontecimento inédito na história política francesa. E não resisto a invocar aqui o que denomin
Incontestavelmente popular ao longo da campanha – sobretudo na fase de "pré-candidatura", o que em muito pode ter contribuído para a escolha socialista –, a verdade é que a possibilidade de os franceses terem, pela primeira vez, uma presidente mulher a dirigir o seu destino, conferiu singular protagonismo mediático a estas presidenciais.
De facto, esta mulher – detentora de um discurso sereno e optimista – representa, pelo seu perfil, uma novidade: encarna a esperança numa mudança que pode ser um antídoto capaz de combater, simultaneamente, um certo desencanto instalado no meio político francês e, ainda, no espaço político europeu. Depois, após o duplo mandato de Jacques Chirac, simboliza juntamente com Nicolas Sarkozy uma proposta de rejuvenescimento da vida política francesa.
Não obstante, a candidata socialista nunca foi consensual no seio do seu partido. Desde logo parece existir um efeito relacionado com o seu percurso: apesar de contar com um vasto currículo político, Ségolène não pertence ao "aparelho" do partido. Depois pela controvérsia que geraram algumas das propostas apresentadas. Senão vejamos.
Em defesa de uma "ordem justa", cuja génese reside na ideia de autoridade (valor que se reconduz à filosofia tomista), propugna a necessidade de restaurar um conjunto de valores – partilháveis por todos e impostos a todos – essenciais à reafirmação da ética na sociedade.
Já no que respeita à concepção de mercado de trabalho, elogiou Tony Blair e o seu "sucesso no combate ao desemprego". Depois – e advogando um new deal entre os parceiros sociais e o Estado –, Ségolène propugnou o recurso à "flexigurança", afirmando que se a França quiser continuar a salientar-se num mundo globalizado deve saber conciliar, de forma dinâmica, crescimento económico e justiça social.
Num país em que o crescimento económico tem sido no início deste século e globalmente inferior a 2% (ou seja, muito lento comparativamente, por exemplo, ao actual crescimento chinês ou indiano), e com uma taxa de desemprego na ordem dos 8,8% – embora o governo francês tenha anunciado em Abril uma descida para os 8,3% – este é um mau desempenho socioeconómico. Desta forma – e partilhando com Sarkozy ideias gerais em torno da "flexigurança" –, Ségolène advogou uma "segurança social profissional", garantida pelos parceiros sociais e pelo Estado e, ainda, uma profunda reforma dos serviços nacionais de emprego.
No plano financeiro, para resolver o problema do défice público revelou, entre outras, a intenção de recuperar a lei Fillon e de promover o emprego sénior. Ao nível económico, a candidata reclamou um estatuto fiscal encorajador para os investimentos na investigação e inovação e nas eco-indústrias. Assumindo-se uma "patriota económica" e uma opositora activa às deslocalizações empresariais, afirmou a necessidade de, colectivamente, assegurar um salário mínimo europeu.
No plano da política externa, Ségolène mostrou-se favorável a um novo texto de Constituição Europeia, que seja acima de tudo "útil" aos europeus, e proclamou o seu objectivo de, em 2009, aquando das eleições para o Parlamento Europeu, poder sujeitar o texto do Tratado a referendo.
Acresce que esta campanha ficou ainda marcada pelas declarações de Ségolène e de Francois Bayrou sobre a situação no Darfur. Considerando a hipótese de um boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim a candidata afirmou que "a China é um actor importante no Darfur (Sudão)" e que "o facto de existir petróleo no subsolo não pode ser razão para o laisser-faire deste genocídio". A China reagiu e, imediatamente, um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês apelou à "objectividade" dos dirigentes políticos.
Termino referindo que, curiosamente, uma sondagem TNS-Sofres, divulgada em 29 de Abril último pelo Le Monde, previa que cerca de 46% dos eleitores franceses votassem por rejeição e que grande parte desse eleitorado entregasse o seu voto a Ségolène. É que na conquista do voto de Bayrou (18,57% na primeira volta) a vantagem parece inclinar-se para esta. Mas, mesmo não saindo vencedora, Ségolène é já um interessante fenómeno político e reflecte novas tendências na democracia europeia.