Opinião
O esplendor de Portugal
Pôr em ordem as contas de um país onde, por rotina, fornecedores perguntam a fregueses se querem ou não querem factura é trabalho de Hércules, digno do maior respeito. Mas pode ser bem feito ou mal feito. Pelo andar da carruagem não se vê logo que ela leve dentro quem vá levantar hoje de novo o esplendor de Portugal.
Alguns economistas estão por fim a descobrir que para entenderem os males do mundo e inventarem remédios adequados têm de se distanciar de modelos matemáticos (que postulam universo ideal habitado por pessoas ideais) e meterem-se a analisar o mundo tal como ele é e as pessoas tal como elas são.
Descuro de uma verdade elementar – modelos são uma coisa, realidade é outra e previsões que dão certas no modelo podem falhar na realidade – tem contribuído mais para agravar a crise de dívidas soberanas e bancárias desde 2008 do que egoísmo, curteza de vistas, ganância e irresponsabilidade dos europeus.
É problema antigo. Lucidez nova (ou redescoberta) nos cumes da arte económica (não é bem uma ciência) poderá ou não levar a paradigma diferente para apreciação de crescimento económico, felicidade humana e desigualdade social. Entretanto, maugrado resistência curta de vistas de alemães, holandeses, finlandeses e austríacos, a austeridade preconizada até agora para matar a crise está a ser posta em causa em Washington (FMI), Bruxelas (Comissão), Franqueforte (BCI). Portugal é um pequeno caso do descalabro geral – mas é o nosso caso e levanta perplexidades.
Primeira. Em democracia governa-se com o povo e não contra o povo. Há excepções. Churchill tinha a Câmara dos Comuns consigo contra Hitler, mas até à guerra estivera em minoria; na crise de 1983 Mário Soares preferiu desagradar aos eleitores e perder uma eleição a evitar medidas impopulares necessárias. O que se passa hoje é diferente: repudiado quase unanimemente pelo povo português o governo de Portugal compraz-se em agradar quase unanimemente ao povo alemão. Há algo que não bate certo.
Segunda. A insistência em medidas propostas até agora para nos fazer sair da crise, não só nos afunda nela mas também faz aumentar a olhos vistos mau estar e indignação. Até agora, o inestimável bom senso português tem impedido o aparecimento de extrema direita ou extrema esquerda forte. Mas agressividade e violência vão crescendo, tornam a vida insegura e a democracia frágil.
Terceira (resultante em parte das anteriores). Arrogância para dentro e subserviência para fora dão governação ineficiente e desmoralizante. Na indiferença quase autista a descontentamentos e indignações populares parece estar-se a recuperar tradição autoritária que se julgava esquecida - "Comer e calar, manda Salazar". E aquiescência super-zelosa aos mandamentos dos funcionários não eleitos da troika bem como colagem à austeridade punitiva propugnada pelos alemães dão fama de bom aluno mas não nos dão poder negocial.
Pôr em ordem as contas de um país onde, por rotina, fornecedores perguntam a fregueses se querem ou não querem factura é trabalho de Hércules, digno do maior respeito. Mas pode ser bem feito ou mal feito. Pelo andar da carruagem não se vê logo que ela leve dentro quem vá levantar hoje de novo o esplendor de Portugal.
Embaixador
Descuro de uma verdade elementar – modelos são uma coisa, realidade é outra e previsões que dão certas no modelo podem falhar na realidade – tem contribuído mais para agravar a crise de dívidas soberanas e bancárias desde 2008 do que egoísmo, curteza de vistas, ganância e irresponsabilidade dos europeus.
Primeira. Em democracia governa-se com o povo e não contra o povo. Há excepções. Churchill tinha a Câmara dos Comuns consigo contra Hitler, mas até à guerra estivera em minoria; na crise de 1983 Mário Soares preferiu desagradar aos eleitores e perder uma eleição a evitar medidas impopulares necessárias. O que se passa hoje é diferente: repudiado quase unanimemente pelo povo português o governo de Portugal compraz-se em agradar quase unanimemente ao povo alemão. Há algo que não bate certo.
Segunda. A insistência em medidas propostas até agora para nos fazer sair da crise, não só nos afunda nela mas também faz aumentar a olhos vistos mau estar e indignação. Até agora, o inestimável bom senso português tem impedido o aparecimento de extrema direita ou extrema esquerda forte. Mas agressividade e violência vão crescendo, tornam a vida insegura e a democracia frágil.
Terceira (resultante em parte das anteriores). Arrogância para dentro e subserviência para fora dão governação ineficiente e desmoralizante. Na indiferença quase autista a descontentamentos e indignações populares parece estar-se a recuperar tradição autoritária que se julgava esquecida - "Comer e calar, manda Salazar". E aquiescência super-zelosa aos mandamentos dos funcionários não eleitos da troika bem como colagem à austeridade punitiva propugnada pelos alemães dão fama de bom aluno mas não nos dão poder negocial.
Pôr em ordem as contas de um país onde, por rotina, fornecedores perguntam a fregueses se querem ou não querem factura é trabalho de Hércules, digno do maior respeito. Mas pode ser bem feito ou mal feito. Pelo andar da carruagem não se vê logo que ela leve dentro quem vá levantar hoje de novo o esplendor de Portugal.
Embaixador
Mais artigos do Autor
Clausewitz às avessas
27.11.2013
"Douce France"
20.11.2013
Mediocridade
14.11.2013
Defesa europeia
06.11.2013
Espionagem, maneiras e bom senso
30.10.2013
O pequeno país
23.10.2013