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Opinião
04 de Junho de 2004 às 13:59

O Director-Geral de Gogol

Quanto deverá ser o vencimento do Director-Geral dos Directores-Gerais? Proponho para tal valor 0,09% do PIB e, desde já, apresento, a minha candidatura ao lugar.

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Resisti estoicamente até agora a pronunciar-me sobre o vencimento do novo Director-Geral dos Impostos. É que muita gente o criticou, primeiro por ser muito elevado, depois por ser pretensamente pago, em parte, por um banco, e finalmente por o dito DG indigitado ter sido aumentado 33% poucos meses antes do convite. Mas agora que já está a poeira a assentar e que a campanha eleitoral e as sessões parlamentares vão como vão, o que quer dizer que se torna difícil a qualquer português bem educado falar sobre qualquer um deles, já me considero liberto para dizer o que me vai na alma (e no bolso) sobre tão (extra)ordinário vencimento.

Em primeiro lugar, quero dizer-vos, meus queridos leitores, que as críticas que foram feitas me parecem profundamente injustas. Foi aumentado, sim senhor (o vencimento, não a pessoa). Então o homem tem que ser bruxo e saber que vai ser convidado para tratar dos nossos impostos para recusar generosos aumentos de salário? E a que título? O de ter o sumo prazer de ser detestado por todos os portugueses contribuintes? Se há coisa que justifica um salário elevado para o DGI é o ele saber que ainda é mais insultado que os candidatos eleitorais.

E igualmente injusto foi insinuar-se que seria um banco a pagar o seu salário. Se assim é, é por uma razão de simplificação administrativa: é por o Ministério das Finanças pagar ao banco que depois este paga ao dito. Acho muito bem, até porque assim o ministério pode continuar a dizer que não paga a ninguém (pessoa singular) um salário mais alto que o de Presidente da República.

E, para cúmulo, critica-se o salário, quando ao mesmo tempo se reconhece que se trata de uma função de grande responsabilidade e a exigir qualidades únicas. Então porque não pode o salário ser único, também? O homem não é um Ivan Khlestakov, o Inspector Geral de Gogol, que teve que regressar à sua terra natal porque não conseguia arranjar um emprego nos departamentos governamentais de S. Petersburgo.

Tem razão a senhora ministra das Finanças quando diz que se queremos ter alguém de grande qualidade, responsável por quase trinta mil milhões de euros de receita pública, temos que estar preparados para lhe pagar bem - e este salário é menos de 0,001% disso, ou seja, uma ninharia. Trata-se, até, de uma medida de poupança para o Estado, pois o que se ganha no desempenho da máquina fiscal será muitas vezes aquilo que se paga ao nosso novo DG. Atrevo-me mesmo a dizer que, se é verdade o que se afirma - que este DG vai poupar à nossa Ministra metade do seu trabalho - eu, no lugar dela, até contratava dois, não um.

Mas já agora, Senhora Ministra, porque ficar por aqui? Porque não ir recrutar o Director-Geral do Orçamento aos dirigentes de topo do Totta, o que, aliás, permitiria ao nosso DG despachar sobre as informações de outros serviços que lhe solicitassem reforço de verbas «vá ao Totta»? E já agora, ir buscar o novo Presidente do Instituto das Estradas entre os administradores da Mota / Engil? E seleccionar o Director-Geral de Energia, para dar um toque internacional, no grupo Carlyle? E para Presidente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, porque não escolher alguém da Allianz? E para Director-Geral da Administração Pública um Administrador da Manpower? E um gestor da Securitas para a Direcção Geral dos Serviços Prisionais? E o Director Geral de Estudos do Ministério da Economia, porque não escolhê-lo entre os partners da BCG? Devo confessar que só vejo dificuldade em seleccionar o Director-Geral do Tesouro. É que normalmente recomendaria que se fosse buscar alguém ao Banco de Portugal, mas não me parece que ganhem o suficiente.

E já agora, porque ficar pelos Directores Gerais? Imagine-se o que poderíamos ganhar, por exemplo, em ir buscar para Sub-Director Geral das Execução Fiscais uma Administrador do Cobrador de Fraque. Para Sub-Director Geral dos Impostos sobre Património um administrador do grupo Amorim. Ele próprio poderia proceder às avaliações poupando-se todos os vencimentos dos avaliadores.

Assim passaríamos a ter uma administração pública dirigida por gente de grande craveira técnica, de excelência. Que será uma administração pública de grande eficácia e cujo acréscimo de eficiênciamais do que compensará o aumento dos custos com os seus salários. Sim, porque a estes notáveis dirigentes serão fixados objectivos exigentes que eles terão que cumprir, sob pena de serem dispensados.

Neste sentido, quero desde já deixar aqui uma sugestão: a criação da Direcção-Geral das Direcções-Gerais, responsável por escolher, negociar e fixar os objectivos a estes nossos novos DGs, de competências, capacidades e salário reconhecidamente invulgares. E caberá à mesma Direcção-Geral o acompanhamento e avaliação do desempenho desta nova classe de empossados, bem como a recomendação da sua confirmação ou da sua dispensa.

Um problema restará, então, no fim: quanto deverá ser o vencimento do Director-Geral deste serviço, autêntico primo inter pares que terá que adicionar à competência, à excelência, à inteligência, a independência (de espírito) necessária para se avaliar a si próprio. Proponho para tal valor 0,09% do PIB, 3% de 3%, em homenagem ao esforço desenvolvido em Maastricht, terra com valor simbólico para a administração pública europeia. E se for este o valor retido desde já apresento, Senhora Ministra, a minha candidatura ao lugar.

Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quanto foi perguntado a Frederico se não considerava que um salário de 25 mil euros por mês para o novo salário do Director Geral dos Impostos não era excessivo, Frederico respondeu: «Depende. Isso é antes ou depois das despesas de representação?».

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