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O bibelot incómodo de Seguro

António José Seguro lida com o memorando da troika como se este fosse um bibelot oferecido por uma tia-avó: colocado na cómoda de forma a que a venerada anciã o veja, aguarda que acidentalmente este caia ao chão. Colocado num plano inclinado, o memorando aproxima-se cada vez mais da ponta. Seguro sabe que é uma questão de tempo e que, no fundo, isso pouco depende dele. As desconsiderações do PSD – como a omissão dos números de desemprego enviados a Bruxelas – e os ventos europeus – como as eleições francesa e grega – encarregar-se-ão do resto. Ou seja, nunca será por culpa do secretário-geral do PS.

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António José Seguro lida com o memorando da troika como se este fosse um bibelot oferecido por uma tia-avó: colocado na cómoda de forma a que a venerada anciã o veja, aguarda que acidentalmente este caia ao chão. Colocado num plano inclinado, o memorando aproxima-se cada vez mais da ponta. Seguro sabe que é uma questão de tempo e que, no fundo, isso pouco depende dele. As desconsiderações do PSD – como a omissão dos números de desemprego enviados a Bruxelas – e os ventos europeus – como as eleições francesa e grega – encarregar-se-ão do resto. Ou seja, nunca será por culpa do secretário-geral do PS.

Ao mesmo tempo que reafirma o seu compromisso, Seguro faz questão em lembrar que o Partido Socialista (PS) que assinou o memorando não era então liderado por si. Mas teria sido diferente se Seguro estivesse no lugar de Sócrates? Provavelmente não. Se estivesse a governar, o PS, com Sócrates ou Seguro, estaria agora a aplicar o memorando que assinou e os papéis com o PSD inverter-se-iam.

Foi isso que aconteceu no passado recente. Tal como Seguro, também Passos, enquanto líder da oposição, reclamou ao Governo de então mais tempo para a consolidação orçamental. Também Passos, apoiado pelo Presidente da República, disse que havia limites para os sacrifícios a pedir aos portugueses. Estamos a falar de táctica política, de que os partidos se servem de acordo com a posição que ocupam em cada momento.

Tanto o PS, como o PSD sabem que têm de cumprir o plano gizado pela troika e que pouco depende deles uma mudança de rumo. Disse-o Krugman e disse-o Paul de Grauwe, só para citar alguns exemplos.

O truque de representar o papel de bom aluno é o que dá mais garantias para a sobrevivência no curto prazo e é difícil imaginar o PS a adoptar o estilo de reguila da turma.

A diferença está na convicção com que se executa o programa. Não falo das medidas de consolidação orçamental – pouco sustentáveis, diga-se –, mas das chamadas reformas estruturais. Como o FMI e a Comissão Europeia têm dito e repetido, é destas que depende o sucesso do seu programa de ajustamento. E aqui PS e PSD diferem. Porque o PSD de Passos Coelho acredita piamente no receituário da troika e no modelo económico e social aí previsto: uma economia mais liberal e desregulada, com um Estado fraco e sem vocação para desempenhar serviços públicos e garantir um sistema universal de Segurança Social.

É esta a diferença. Uma diferença ideológica que faz da cómoda de Seguro uma cómoda inclinada. O líder do PS sabe que não tem de fazer nada. Só estar bem atento para garantir que o bibelot não lhe cai no pé.
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