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30 de Dezembro de 2011 às 00:20

O ano do pessimismo racional

Alguém disse recentemente, em tom de gracejo, que a melhor coisa de 2011 estava no facto de, provavelmente, ser melhor do que 2012.

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Alguém disse recentemente, em tom de gracejo, que a melhor coisa de 2011 estava no facto de, provavelmente, ser melhor do que 2012. Da mesma forma, se bem que tenha havido muitos receios em torno do impasse político norte-americano, algo muito pior poderia ter acontecido à América e ao resto do mundo: os Republicanos poderiam ter levado a melhor em relação ao seu programa de austeridade e redistribuição que visava os mais abastados. Os cortes automáticos não vão acontecer em 2013, o que significa que a economia em 2012 será poupada, mesmo que ligeiramente.

Mais duas notas positivas para 2011: a América parece ter finalmente acordado para o profundo fosso entre os ricos e os restantes – entre a camada de 1% que está no topo e todos os restantes. E os movimentos de protesto liderados pelos jovens, desde a Primavera Árabe até aos Indignados de Espanha, passando pelo movimento Occupy de Wall Street, tornaram claro que alguma coisa está muito errada no sistema capitalista.

No entanto, existe uma grande probabilidade de os problemas económicos e políticos tão evidentes nos EUA e na Europa em 2011 – e que têm sido, até agora, muito mal geridos – ganharem uma maior dimensão em 2012. Qualquer previsão para o ano que vai entrar depende, mais do que o habitual, da política: do resultado do impasse político nos EUA e da capacidade dos líderes europeus para responderem à crise do euro. As previsões económicas já são suficientemente difíceis; mas no que diz respeito às previsões políticas, as nossas bolas de cristal ficam ainda mais turvas. Assim sendo, apresento-vos a minha melhor estimativa.

Os líderes europeus têm proclamado repetidamente o seu empenho em salvar o euro, mas aqueles que tanto têm insistido nisso poderiam dizer também que estão empenhados em não fazer aquilo que é necessário. Eles reconheceram que a austeridade significará uma desaceleração do crescimento – na verdade, é cada vez mais provável que haja uma recessão – e que, sem crescimento, os países em apuros da Zona Euro não conseguirão gerir as suas dívidas. Mas eles nada fizeram para promover o crescimento. Estão numa espiral da morte.

A única coisa que tem salvo o euro no curto prazo está nas compras de dívida soberana por parte do Banco Central Europeu, que impediu que as taxas de juro disparassem. Gostemos ou não, o BCE tem estado a financiar os Estados soberanos. Os líderes alemães desaconselharam esta via e o BCE sentiu-se desconfortável, limitando as suas compras e dizendo que os líderes políticos, não os bancos centrais, é que devem salvar o euro.

No entanto, a resposta política tem sido, no mínimo, de fraca dimensão e tardia. O cenário mais provável é que haja mais do mesmo: austeridade, economias mais débeis, mais desemprego e défices contínuos, com os líderes europeus a fazerem o mínimo para se defenderem da crise. Resumindo: mais agitação.

O ajuste de contas – quando o euro se desmoronar ou a Europa tomar o tipo de acção decisiva que fará uma moeda única funcionar – poderá acontecer em 2012, mas o mais provável é que os líderes europeus façam tudo o que puderem para adiar essa prestação de contas. A Europa sofrerá e, com ela, também o resto do mundo.

Os Estados Unidos esperavam uma retoma liderada pelas exportações, mas com a desaceleração do crescimento económico na Europa, que é o seu maior cliente (e que prejudica o crescimento em grande parte do resto do mundo), isso é pouco provável. E com os piores efeitos dos cortes na despesa ainda por se fazerem sentir, o impasse – e o ressentimento Republicano – poderá significar que a redução dos impostos sobre os salários decidida pela Administração Obama não será prolongada, enfraquecendo assim o consumo das famílias.

Esse cenário, combinado com cortes a nível local e estadual, significa que as primeiras manifestações reais do impacto da austeridade surgirão em 2012. (Contudo, o emprego no sector público está já em cerca de 700.000 abaixo do seu nível anterior à crise; o governo, em vez de actuar em contraciclo, compensando a fraca procura por parte do sector privado, tem vindo a agir de forma procíclica, exacerbando os problemas da economia). Entretanto, as consequências da incapacidade para lidar com a crise do mercado imobiliário – que desencadeou o quase colapso dos mercados financeiros em 2008 – continuam a fazer-se sentir: mais quedas nos preços das casas, mais execuções hipotecárias e uma maior tensão sobre os agregados familiares norte-americanos.

Ninguém, em nenhum dos dois partidos políticos nos EUA, parece estar disposto a enfrentar o facto de que “consertar” o sistema bancário, se bem que necessário, não foi suficiente para restaurar a saúde económica (ou enfrentar que o sistema financeiro nunca foi, na realidade, “consertado”). A economia norte-americana de antes da crise estava a ser mantida através de um suporte superficial de vida proveniente de uma bolha imobiliária que levou a um consumo insustentável. Não há caminho de volta a 2007.

Mas nenhum dos partidos se mostrou disposto a admitir o que está realmente mal, ou a avançar uma agenda que combata as falhas subjacentes a esta realidade. As banalidades e os placebos – apelos insípidos a uma maior criação de empregos, restrição orçamental, contenção nos programas de benefícios sociais, etc. – irão caracterizar o ano de eleições nos Estados Unidos. Nenhum dos lados avançará com um programa de reestruturação da economia e de diminuição das desigualdades que estão a minar a solidez do país.

Tenho sido um grande crítico dos mercados, mas mesmo os intervenientes nos mercados norte-americanos sentem agora que os líderes políticos não estão à altura da tarefa. Se os investidores sofreram de exuberância irracional na década de 90, tudo aponta para que sofram de pessimismo racional no próximo ano. Afinal de contas, os norte-americanos terão de escolher entre um líder que já provou não ser capaz de fazer sair os EUA do seu pântano económico e um que ainda não tenha demonstrado a sua incapacidade para o fazer – mas que poderá tornar as coisas ainda piores com políticas que aumentem a desigualdade e travem o crescimento.

Espero que os acontecimentos provem que estou errado e que o meu pessimismo acabe por se revelar excessivo. Mas receio que os riscos pendam mais para o lado negativo. Com efeito, 2012 poderá provar ser o ano em que as experiências com o euro, o culminar de um processo de 50 anos de integração política e económica na Europa, chegarão ao fim.

Nesse caso, em vez de trazer consigo o esperado fim da Grande Recessão de 2008, uma contracção que durou demasiado tempo e causou muito sofrimento, o ano de 2012 poderá marcar o início de uma nova fase ainda mais aterradora da pior calamidade económica mundial em três quartos de século.




Joseph E. Stiglitz é professor na Universidade de Columbia, Nobel da Economia e autor de “Freefall: Free Markets and the Sinking of the Global Economy”.


Direitos de autor: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org


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