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As políticas da estupidez económica

Em 2014, a economia mundial manteve-se presa à rotina que tem apresentado desde a saída da crise financeira global de 2008. Apesar das, aparentemente, fortes intervenções dos governos na Europa e nos Estados Unidos, as suas economias sofreram crises profundas e prolongadas. A diferença entre onde essas economias estão e onde elas provavelmente estariam se a crise não tivesse acontecido é enorme. Na Europa, esse fosso aumentou ao longo deste ano.

31 de Dezembro de 2014 às 10:00
Bloomberg
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Os países em desenvolvimento apresentaram um comportamento melhor, mas mesmo aí as notícias foram sombrias. O sucesso destas economias, baseado no crescimento das exportações, continuou durante a crise financeira, apesar de os mercados das suas exportações apresentarem dificuldades. No entanto, o seu desempenho também começou a diminuir significativamente em 2014.

 

Em 1992, Bill Clinton baseou a sua bem-sucedida campanha para a presidência dos Estados Unidos num slogan simples: "É a economia, estúpido." Pela perspectiva de hoje, as coisas não pareciam tão más nessa altura; o rendimento de uma família típica norte-americana é hoje mais baixo. Mas, ainda assim, podemos inspirar-nos em Clinton para reflectir o mal-estar que aflige a economia global de hoje através de dois slogans simples: "É a política, estúpido" e "A procura, procura, procura".

 

A estagnação quase global testemunhada em 2014 é provocada pelo Homem. É o resultado da política e das políticas de várias grandes economias - política e políticas essas que sufocaram a procura. Na ausência de procura, os investimentos e os empregos deixam de existir. É assim tão simples.

 

Em nenhum lugar isso é mais claro do que na Zona Euro, que adoptou oficialmente uma política de austeridade - cortes nos gastos do governo que aumentaram os pontos fracos do consumo privado. A estrutura da Zona Euro é parcialmente responsável por impedir o ajustamento ao choque gerado pela crise; na ausência de uma união bancária, não foi surpresa que o dinheiro fugiu dos países mais atingidos, enfraquecendo os seus sistemas financeiros e restringindo os empréstimos e os investimentos.

 

No Japão, um das três "setas" do programa do primeiro-ministro Shinzo Abe para a recuperação económica foi lançada na direcção errada. A queda do PIB que se seguiu ao aumento do imposto sobre o consumo em Abril apresentou novas provas que apoiam as políticas keynesianas - como se já não existissem as suficientes.

 

Os Estados Unidos introduziram uma menor dose de austeridade e conseguiram um melhor desempenho económico. Mas, mesmo nos Estados Unidos  há aproximadamente menos 650 mil funcionários públicos do que havia antes da crise. Numa situação normal, seria de esperar um aumento de cerca de dois milhões. Como resultado, os Estados Unidos apresentaram um crescimento tão anémico que os salários permanecem basicamente estagnados.

 

Grande parte da desaceleração do crescimento nos países emergentes e em desenvolvimento reflecte a desaceleração da China. A China é hoje a maior economia do mundo (em termos de paridade de poder de compra), e tem sido a principal contribuinte para o crescimento global. Mas o notável sucesso da China tem produzido os seus próprios problemas, que devem ser tratados o mais cedo possível.

 

A mudança da economia chinesa da quantidade para a qualidade é bem-vinda – diria mesmo, quase necessária. E, embora a luta do presidente Xi Jinping contra a corrupção possa causar um maior abrandamento do crescimento económico, não há nenhuma razão para Xi a deixar cair. Pelo contrário, outras forças que possam comprometer a confiança no seu governo – como os problemas ambientais, o elevado e crescente nível de desigualdade e as fraudes no sector privado - devem ser abordadas com igual vigor. Em suma, o mundo não deve esperar que a China reforce a procura agregada global em 2015. De qualquer forma, haverá um buraco ainda para preencher.

 

Enquanto isso, na Rússia, podemos esperar um lento crescimento das sanções do Ocidente, com efeitos adversos sobre uma Europa já de si enfraquecida (este não é um argumento contra as sanções: o mundo teve que responder à invasão da Ucrânia pela Rússia, e os governantes ocidentais que argumentam o contrário, procurando proteger os seus investimentos, têm demonstrado uma preocupante falta de princípios).

 

Nos últimos seis anos, o Ocidente tem acreditado que a política monetária pode ser a salvação. A crise conduziu a enormes défices orçamentais e ao aumento da dívida, pelo que, de acordo com algumas correntes, a necessidade de desalavancagem significa que a política fiscal deve ser posta de lado.

 

O problema é que as taxas de juro baixas não vão motivar as empresas a investir se não existir procura para os seus produtos. Nem sequer vão levar as pessoas a pedir dinheiro emprestado para consumir se elas estiverem preocupadas com o seu futuro (que devem estar). O que a política monetária pode fazer é criar bolhas nos preços dos activos. Ela pode até sustentar o preço dos títulos de dívida pública na Europa, antecipando, assim, uma crise da dívida soberana. Mas é importante ser claro: a probabilidade de políticas monetárias acomodatícias restaurarem a prosperidade global é nula.

 

Este ponto leva-nos de volta à política e às políticas. O que o mundo mais precisa é de procura. O sector privado - mesmo com o generoso apoio das autoridades monetárias - não vai conseguir criá-la. Mas a política orçamental pode fazê-lo. Temos uma ampla escolha de investimentos públicos que produzem altos retornos - muito mais elevados do que o custo real do capital - e que podem fortalecer os balanços dos países que estejam empenhados nisso. O grande problema que o mundo enfrenta em 2015 não é económico. Sabemos como escapar ao nosso mal-estar actual. O problema são as nossas políticas estúpidas.

 

Joseph E. Stiglitz, prémio Nobel da Economia, é professor na Universidade de Columbia. O seu mais recente livro, em co-autoria com Bruce Greenwald, é Creating a Learning Society: A New Approach to Growth, Development, and Social Progress.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Luísa Marques

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