Opinião
O Amor e a Cidade
Estranhíssimo será o candidato em quem os eleitores vejam amor genuíno pela cidade e, no poder, algo mais do que ...
Estranhíssimo será o candidato em quem os eleitores vejam amor genuíno pela cidade e, no poder, algo mais do que um instrumento de realização de projectos que vão além dos que digam respeito ao próprio e - esse sim! - amado umbigo. Pode dar certo. Há narcisistas competentes.
O amor tem a sua origem no primeiro dos instintos de todos os animais: o de preservação da espécie. E, sem lhe roubar uma gota sequer da sua força animal, a história e a cultura humanas deram-lhe forma (o melhor seria dizer «formas» porque são várias as histórias e as culturas e variadas as formas que deram ao amor). Mas o facto é que, tal como o concebemos hoje, o amor é uma construção cultural, histórica, civilizacional. Essa dupla raiz - animal e civilizacional - faz do amor um dos elementos mais complexos e misteriosos daquilo que somos. E tão difícil nos é lidar com tamanha e tão misteriosa complexidade que, às vezes, chamamos de amor ao que não passa de vaidade.
Isso tanto vale para a relação entre casais - é tão comum ver homens a exibir as próprias mulheres como troféus e a pretender que a beleza delas deponha em favor deles! - quanto pode valer para as relações de poder, como a governação de uma cidade, por exemplo.
Há quem ame cidades e que, por amor, as queira governar. É gente que tem projectos para a cidade e que está disposta a dedicar-se, com paixão, à sua concretização. Pode ser perigoso. Há o risco de se verem tomados por convicções messiânicas e, quando isso acontece, ou seja, quando, mais do que pela cidade, os governantes se apaixonam pelo que julgam ser a sua missão, tendem a ficar cegos e surdos a todas as ponderações, e o resultado costuma ser trágico.
Mas não creio que seja esse o temor que alimentará as insónias da generalidade dos portugueses que pretenda votar nas próximas eleições autárquicas. Mais comum será o candidato a quem nem por decreto os eleitores consigam atribuir algum amor pela cidade que pretende governar. Mais comum será a dificuldade de se atribuir ao candidato uma missão - qualquer missão que vá além da realização de um projecto pessoal de poder -, e raro será imaginá-lo apaixonado por essa missão. Estranhíssimo será o candidato em quem os eleitores vejam amor genuíno pela cidade que pretende governar e, no poder, algo mais do que um instrumento de realização de projectos que vão além dos que digam respeito ao próprio e - esse sim! - amado umbigo. Pode dar certo. Há narcisistas competentes e que sabem que a melhor maneira de dar brilho e longevidade ao sucesso do próprio e enorme ego é governar bem.
O eleitor, esse, o que quer é uma cidade bonita, que funcione, que não o agrida, que lhe ofereça serviços, que o proteja e que não lhe custe muito caro.
As cidades, essas, se fossem mulheres seriam daquelas a quem pouco importa o que o seus homens façam na rua, desde que as tratem bem e que tragam o leitinho das crianças com alguma regularidade.
Mas atenção porque se aparecer outro que ofereça melhor, adeus.
É o instinto de preservação a falar mais alto - imediatista, urgente, absoluto e imperativo, como todos os instintos.
PS: É divertido escrever «amor» num jornal chamado «de Negócios».
PPS: Eu amo Oeiras.
PPPS: Eu odeio os carros estacionados em cima dos passeios de Oeiras.