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Novo financiamento partidário pode até ser legal, mas é ilegítimo

O povo tem sempre razão. Em Portugal, é difícil conseguir encontrar alguém que não tenha uma visão altamente crítica dos partidos. E agora, esta nova lei do financiamento partidário vem dar razão a todos aqueles que têm por certo que...

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O povo tem sempre razão. Em Portugal, é difícil conseguir encontrar alguém que não tenha uma visão altamente crítica dos partidos. E agora, esta nova lei do financiamento partidário vem dar razão a todos aqueles que têm por certo que os partidos trabalham quase exclusivamente para aumentar as suas receitas. E vem dar razão a todos aqueles que acham que os políticos vivem completamente alheados do contexto socioeconómico em que Portugal se encontra. E também vem dar razão a todos aqueles que pensam que os políticos não se sentem responsáveis pelas ditas condições socioeconómicas que enfrentamos enquanto país em divergência económica com a Europa há quase uma década.

Tendo em conta que a lei foi votada por todos os partidos políticos com assento no Parlamento, não há forma de fugir ao facto de que, em Portugal, estas generalizações acima que se fazem sobre os partidos estão, em larga medida, correctas.

O principal ponto da nova lei é o aumento exponencial do tecto para as receitas que podem ser recebidas em dinheiro "vivo" de privados. Este tecto passa de um valor máximo de 22.500 euros para nada mais nada menos que 1,257 milhões de euros. Significa isto que estes valores dos privados não deixarão rasto nas contas partidárias. Além disso, existe ainda outra mudança gravíssima: na nova lei, as verbas arrecadadas pelos partidos em acções de angariação de fundos - que podem chegar aos 1,3 milhões de euros - deixam de ser descontadas à subvenção pública. Assim, a partir de agora, uma campanha pode dar lucro. E mais: os partidos baixaram o número de votos necessários (de 50 para 25 mil) para um partido ser contemplado com o nosso dinheiro.

Para se perceber a seriedade da situação, é preciso olhá-la em perspectiva do que já foi alterado no financiamento partidário nos últimos anos e das consequências que essas mudanças tiveram no bolso dos contribuintes. Um excelente estudo de 2006, da autoria de Nuno Guedes, sobre este tema (disponível "online" nos "working papers" do CIES/ISCTE) avança com dados: Em 2000, as subvenções à actividade dos partidos totalizaram mais de sete milhões de euros. Em 2005 já eram mais de 15 milhões. Isto sem contar com o dinheiro dado para as campanhas eleitorais. Enquanto a eleição de 1995 foi disputada com pouco mais de meio milhão de euros dos bolsos dos contribuintes, em 2005, o valor atingiu os 50 milhões de euros.

Até agora, os partidos tinham uma, se bem que ténue, justificação para o aumento do financiamento público dos partidos: era que, ao mesmo tempo que alargavam os cordões à bolsa do Estado em benefício próprio, iam impondo limites à capacidade por parte dos privados, empresas e indivíduos de os financiar. Assim, em 2000 foram proibidas as dádivas de empresas. Em 2003, a lei limitou vários tipos de donativos privados: foram proibidos os donativos anónimos, aumentados os casos em que era obrigatório o donativo feito por cheque e limitados os valores máximos dos donativos individuais aos partidos e campanhas.

De facto, embora todas as alterações realizadas anteriormente a esta lei tenham sido no sentido de um aumento dos valores que os contribuintes entregavam aos partidos, nessas mudanças à lei havia um "quid pro quo": a diminuição da possibilidade do financiamento privado legal aos partidos políticos. Foi esse consenso implícito, nomeadamente o de que o financiamento do Estado só se poderia aumentar se diminuísse o financiamento dos privados que foi quebrado com estrondo nesta nova lei do financiamento dos partidos.

Resta pois dizer: os partidos, em conjunto, na Assembleia da República poderão legislar o que entenderem, mas não sobram dúvidas de que esta lei é ilegítima. Existem ainda instâncias que se irão pronunciar sobre a pertinência política e até a constitucionalidade do diploma. Depois das instâncias políticas será a vez do eleitorado, que terá três oportunidades este ano para dizer o que pensa da actuação dos partidos políticos em Portugal.


Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
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