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19 de Novembro de 2002 às 16:42

Novas regras comunitárias para as «vítimas» do crédito ao consumo

Antevê-se uma revolução na vida dos portugueses quando forem implementadas as medidas quanto ao sobrendividamento, melhorando a qualidade de empréstimos e reduzindo o risco do malparado.Mafalda Oliveira Monteiro, Abreu Cardigos & Associados

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Antevê-se uma revolução na vida dos portugueses aquando da implementação das medidas preventivas relativas ao sobrendividamento, as quais melhorarão a qualidade de empréstimos e diminuirão o risco do malparado. Mafalda Oliveira Monteiro, Abreu Cardigos & Associados

Pela Directiva 87/102/CEE foi fixado o enquadramento comunitário do crédito ao consumo. Decorridos 15 anos, veio a Comissão no passado dia 11 de Setembro apresentar uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho em matéria de crédito aos consumidores.

De uma avaliação global constata-se desde logo a evolução notável do próprio conceito de «crédito ao consumo». Com efeito, se nos anos 60 e 70 se vivia numa «cash society», na qual o crédito desempenhava um papel muito limitado, assistimos hoje a uma sociedade de consumo, na qual o crédito é oferecido aos consumidores através de uma enorme variedade de instrumentos financeiros, mais ou menos complexos, e os montantes de crédito concedidos ascendem a quantias elevadas, com os inerentes riscos para os mutuantes e a ameaça de insolvência para um cada vez maior número de consumidores.

É neste contexto que a Comissão vem propor a revisão da actual directiva, enunciando como objectivos da revisão uma adaptação do quadro jurídico às novas técnicas de crédito, um reequilibro dos direitos e obrigações dos consumidores e mutuantes e um elevado nível de protecção do consumidor.

Nesta sede cumpre, no entanto, salientar o esforço realizado no sentido de reduzir ao máximo a possibilidade de um mutuante poder pôr em perigo a situação financeira do consumidor ou actuar de forma irresponsável.

Neste sentido, no que se refere à informação prévia do consumidor prevê a proposta de directiva que o mutuante apenas poderá solicitar ao consumidor dados que sejam adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos.

A informação de carácter estritamente pessoal que os consumidores actualmente fornecem no âmbito da celebração do contrato, e que é hoje frequentemente utilizada para fins de venda de produtos, «marketing», comercialização de dados a terceiros, etc., surge, por seu lado, totalmente inviabilizada, sendo apenas autorizada a recolha e posterior tratamento de informação com o objectivo de apreciação da situação financeira dos consumidores e das respectivas capacidades de reembolso.

Prevê ainda a nova proposta de directiva a criação de bases de dados centralizadas, que tendo pelo menos um âmbito nacional, no mínimo, apresentem os atrasos de pagamento, permitam identificar os consumidores e sejam acessíveis a todos os mutuantes, podendo vir a ser registados todos os compromissos assumidos em matéria de crédito, com vista a evitar o endividamento excessivo.

Desta forma, os mutuantes terão à sua disposição um instrumento que lhes permitirá verificar se o consumidor celebrou outros contratos, cujo encargo total possa impedir que seja obtido qualquer crédito adicional.

Em contrapartida, o mutuante poderá vir a ser responsabilizado sempre que, na sequência da informação recebida devesse, de acordo com um critério de razoabilidade, abster-se da concessão de um novo crédito.

Institui-se, deste modo, o princípio do «empréstimo responsável», segundo o qual ao celebrar um contrato ou ao aumentar o montante do crédito concedido, «se parte do princípio de que o mutuante ponderou previamente, por todos os meios à sua disposição, que o consumidor e, se necessário, o garante, de acordo com um critério de razoabilidade, podem respeitar as suas obrigações que decorrem do contrato».

Trata-se de uma obrigação de meios do mutuante, que se traduz, nomeadamente, na consulta das bases centralizadas de dados e análise dos elementos de informação fornecidos e que evidentemente não afasta o dever do próprio consumidor de actuar com prudência e de dar pontual cumprimento às suas obrigações contratuais.

Mas numa sociedade de consumo como a dos nossos dias, constitui um forte incentivo ao cumprimento a quem vive do crédito e deixará de o obter se não cumprir.

Antevê-se, assim, uma verdadeira revolução na forma de vida dos portugueses aquando da implementação desta directiva, em especial, das suas medidas preventivas relativamente ao sobrendividamento, as quais melhorarão certamente a qualidade dos empréstimos e diminuirão consideravelmente o risco de os consumidores assumirem compromissos a que já não possam fazer face.

Por Mafalda Oliveira Monteiro, Advogada

mafalda.o.monteiro@abreucardigos.com

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