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Notas da treta

As verdes. Secas pela estagnação económica dos Estados Unidos, pela precariedade das suas contas públicas, pela dependência dos credores orientais, pela incapacidade da administração Obama, pela demência do Tea Party e pelo desalento da sociedade norte-americana.

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1 - As verdes. Secas pela estagnação económica dos Estados Unidos, pela precariedade das suas contas públicas, pela dependência dos credores orientais, pela incapacidade da Administração Obama, pela demência do Tea Party e pelo desalento da sociedade norte-americana. Nada que não conheçamos bem, deste lado do Atlântico. É a crise do Ocidente, pura e dura, perante um sistema global que, de tão desejado e conveniente para o grande capital, está em vias de se transformar no coveiro do bem-estar caucasiano.

Não há como dar a volta ao destino que o futuro próximo nos reserva. Teremos de perder qualidade de vida até que o Oriente se aproxime dos nossos padrões. Nem os países do norte da Europa, Alemanha incluída, escaparão a este ditame. A União Europeia e a América do Norte foram as regiões do planeta que menos cresceram nos últimos 10 anos (14% e 18%, respectivamente), enquanto a América Latina registava um crescimento próximo dos 40%, a Rússia e o Próximo Oriente 60%, a Índia mais de 100% e a China pulverizava todos os recordes com uns incríveis 171%. É esta e mais nenhuma a verdadeira razão da crise. A boa notícia é que os níveis de rendimento destes países continuarão a aumentar velozmente. A má notícia é que os nossos não.

2 - As das agências de rating. Preconceituosas e incompetentes, dominam alegremente a cena económica mundial (Sex & Drugs & MarketRole, na expressão lapidar de Paul Krugman). A horas do incumprimento estado-unidense mantinham o triplo A, como no passado sempre fizeram e no futuro continuarão a fazer, perante as conveniências mercantis e da star-spangled banner. Islândia, Parmalat, Lehman Brothers e demais junkfunds? Foram erros menores de cálculo, que só os ignorantes não entendem.

Não se queixem, porém, as instituições europeias pelas malfeitorias classificativas destes rapazes. O sistema financeiro internacional viu nas agências de rating uma forma cómoda de externalizar os seus departamentos de análise de mercado, como se fossem serviços de limpeza ou de segurança. Que bom não termos de manter equipas internas de economistas para analisar os riscos de mercado! Que bom bastar-nos um simples algoritmo para indexar mecanicamente as aplicações de fundos às notações das agências! O pior é quando os nossos próprios activos se vêem de repente desvalorizados por força das notações selvagens e se tornam alvos fáceis de apetites estranhos (estima-se que, por cá, as empresas a privatizar terão, à cabeça, um desconto Moody's da ordem dos 30%).

3 - As dos órgãos inspectivos do Estado, de "inquestionável rigor e competência" na análise de tudo quanto mexa na esfera pública, directa ou indirecta. Bastas vezes movidos pelo voyeurismo populista e destituídos de perícia efectiva, raramente enxergam factos graves - porque esses, ou são invisíveis ou estão documentados quanto baste (alguém detectou as comissões no caso dos submarinos?). Já em matérias de intendência, não lhes escapa a mais pequena falha - numa assinatura torta, numa data trocada, num carimbo mal aposto ou num irrelevante procedimento administrativo -, conferindo-lhes uma gravidade extrema. Os relatórios finais são pasto acrítico dos media, inclusive dos especializados.

A mais recente peça deste teatro, oriunda do Tribunal de Contas (TC), prende-se com as obras do Túnel do Marquês. O TC verbera severamente as mudanças de rumo na condução do projecto e as derrapagens financeiras, como se houvesse obra neste planeta que não estivesse sujeita a ajustamentos. Seriedade é uma coisa, cegueira é outra. É preciso um TC, mas sugiro-lhe, para efeitos de aprendizagem, que passe a fiscalizar, em regime de avença, as obras das confissões religiosas. Ou melhor, a gerir as do Estado, em parceria com a Inspecção-Geral de Finanças (mude-se a lei, que a troika não se importa).


Economista; Professor do ISEG
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