Opinião
Nota mínima
O Governo do Dr. Durão Barroso estabeleceu que a entrada de alunos neste patamar seria limitada aos alunos que tivessem nota positiva (9,5 valores) ... mas a implementação da medida foi travada.
Numa derradeira mensagem antes de abandonar as funções que ocupava - na senda das indecisões e adiamentos que caracterizaram a quase totalidade dos seus antecessores - a anterior ministra do ensino superior deixou o recado: adie-se, mais uma vez, uma tímida medida que procurava introduzir um tímido rigor no processo de admissão ao ensino superior. Recordando: o Governo do Dr. Durão Barroso estabeleceu que a entrada de alunos neste patamar seria limitada aos alunos que tivessem nota positiva (9,5 valores). É a falada nota mínima. Segue-se a acção do senhor Presidente da República impedindo a implementação da medida e obrigando a um adiamento - prelúdio da quase certa revogação definitiva - que formalmente terminaria agora. Finalmente, a nota mínima entraria em vigor no próximo ano lectivo.
É de prever que o ministro do sector do novo e tecnológico governo adoptará, voluntarioso e fortemente suportado pelas corporações do sector, a sugestão da sua antecessora. Continuaremos, assim, a admitir alunos sem preparação adequada para cursar o ensino superior.
Esta é uma via verdadeiramente imparável. Desde as famílias dos alunos às corporações do sector - passando pelos empedernidos burocratas ministeriais - todos visam, embora com objectivos próprios e intermédios diversos, uma só meta: forçar a qualquer custo, sem preocupações de qualidade e de eficácia na utilização dos meios, a obtenção de proporções de frequência do ensino superior de nível «europeu».
Um dia chegará em que um projecto do tipo do PISA que exporá, de vez, como já aconteceu para o ensino não superior, a irresponsabilidade e o carácter danoso para os interesses nacionais das políticas de ensino superior que têm atravessado, tranquilamente, os vários governos. Veremos, então, com mais clareza, as consequências deste tipo demedidas, tão populares quanto reveladoras de fraqueza.
No meio das generalidades habituais lá está, não podia falhar, no programa do novo Governo: não temos licenciados a mais. É certo: os nossos 8% de licenciados na força de trabalho é um valor inaceitável e eis aqui um problema a enfrentar. Mas não é o principal problema. Se estes licenciados constituíssem uma verdadeira elite como o são nalguns países (como a Áustria ou a Dinamarca) que apresentam valores próximos deste, a nossa situação não assumiria a gravidade que registamos. O reduzido número de estudantes e diplomados não é compensado pela sua qualidade. Nem poderia ser, entre outras razões, devido à admissão de alunos com notas negativas. Embora a realidade seja obscurecida pela falta de estudos comparativos, a qualidade dos nossos licenciados deteriora-se rapidamente, como alguns indicadores indirectos fazem ver.
Tomemos o crescente número de licenciados desempregados e desadaptados das exigências do mercado, forma simpática de dizer mal preparados. Observe-se, no governo do Dr. Santana Lopes, a criação artificial de empregos do programa de colocação de licenciados nas empregas públicas de transportes; ou o programa de entrada de licenciados na função pública anunciado pelo governo do Eng. José Sócrates. De um outro ângulo, observe-se a reduzida produtividade dos professores universitários, medida pelas publicações científicas e técnicas, número de patentes registadas ou a balança dos pagamentos de royalties e licenças. Quando estiverem disponíveis indicadores mais directos, reveladores da literacia universitária, veremos como estes indicadores batem certo.
A importância da proporção de diplomados pelas universidades na força de trabalho tende a ser exagerada. Países como a Áustria ou a Dinamarca têm valores semelhantes aos nossos. A proporção de doutores na população portuguesa coloca-nos a meio da tabela da OCDE com valores bem acima, por exemplo, da Espanha, Irlanda, Canadá ou Itália. No entanto, nestes países, os indicadores de artigos publicados em revistas científicas e técnicas ou de exportação de royalties e licenças é de 3 e 4 vezes.
Mas, isto de comparar recursos com resultados, quando se trata de educação, não cai mesmo bem, não é verdade?