Opinião
Ninguém nos liga peva
(Onde o autor sustenta que ninguém liga aos portugueses, nem o governo, nem sobretudo os portugueses eles próprios, pois de outro modo não chegaríamos, "masoquistamente", a este ponto de estupor(1), como recentes eventos comprovam ).
Nos inícios de 2003, um ex-marine, estilo "American Dad", entrou no bar "Patriot", em Washington DC. Ao fundo, com espanto, viu sentados George W. Bush e Colin Powell, a beberricarem Água das Pedras. Aproximou-se, cumprimentou-os pelo estilo simples e popular, e inquiriu-os sobre o futuro estratégico do país. Powell respondeu: "Vamos invadir o Iraque, e matamos 25.000.000 de iraquianos e uma loira de mamas grandes". Atónito, o cidadão insistiu: "Mas porquê uma loira de mamas grandes??". Bush interveio, agora dirigindo-se a Powell: "Eu não te disse que ninguém liga peva aos iraquianos?".
Foi esta estória verídica que me inspirou na teoria da indiferença, em variante egocentrada, isto é: nem para nós somos bons. Que o Governo nos quer bem, e até muito bem, toda a gente sabe. Mas que todos (quase todos) aceitemos flacidamente, anos e anos, amor tão acrisolado e sufocante é algo que me escapa. Os portugueses quiseram quem está no púlpito, em Outubro de 2009, com cartão amarelo, mas quiseram. Quatro meses mais tarde, já não pode haver a 2ª via eleitoral, a conjuntura pura e simplesmente não o admite. Com a oposição, responsavelmente, a deixar passar dois orçamentos e a baixar o tom conflitual. Exige-se, sem complacências, ruído, artifícios, desculpas, vitimizações, inaugurações, segundas pedras, procrastinações, ameaças, chantagem, espectáculos, agendas fúteis ou dedos em riste, que apareça uma governação séria, rigorosa, aberta e mobilizadora. Pode ser que a índole não permita ou, como dizia uma neta minha arrependida, que a situação seja de "eu bem tento mas não consigo". Mas há que intimar, e cooperar após ver desígnio positivo, pois o jogo conflitual da política, na situação, tem que se desviar para um ponto de equilíbrio cooperativo.
Infelizmente, os indícios de cima não são inspiradores, tanto mais que a cada acção corresponde uma reacção e assim cai-se num permanente "tit for tat".
O caso Madeira, por exemplo, é impressionante. Eu sei que o ministro das Finanças se deve preocupar com as dezenas de milhões, já que os milhares de milhões vão andando muito bem, muito obrigado. Não discuto isso, embora um compromisso pudesse ser sempre possível, nem que fosse para execução futura; aponto, sim, a chantagem governamental, a mensagem de desentendimento para o exterior e a horrenda hostilização da Madeira, pelo que contém de contributo para a crispação do País. Uns contra os outros não, por favor, muito menos pela voz do comandante!
E o "affair" Mário Crespo? Isto já parece "A marca Amarela" sem a imaginação de Jacobs, mesmo tendo suscitado farta curiosidade intelectual na população quanto ao significado do termo "calhandrice"(2), devidamente enfatizado pelo saudoso mas agora injustamente distante ministro Santos Silva. Eu nem vou dissecar o caso, evitando mais do mesmo; só continuo a ver o chão da liberdade opinativa juncado de cadáveres e feridos graves, em atmosfera de intimidação. Um leitor comentarista , que naquele dia não tomou os remédios, há umas semanas, comparava Sócrates ao Marquês de Pombal (3), pelo que temo ver o "louco" Crespo no pelourinho, desfeito à martelada por Jorge Coelho, o do "quem se mete com o PS leva" - coisa de baixa tecnologia e inovação, mas eficaz. Deve ser o "socialismo do sec. XXI" de Chávez, em importação para a Europa.
Cá em casa já só dá para rir, mas gela-se-me a espinha quando vejo pessoas de bem propor legislação para colocar na Internet as declarações de rendimentos brutos dos contribuintes.
Eu sei que se podiam remunerar os "bufos", aumentando o PIB, mas, ainda assim, num partido que se opõe a tudo que possa combater a corrupção (esta "proposta" não a ataca, apenas cria devassa geral, não se vislumbrando a finalidade estrutural), deveria esperar-se que as iniciativas legislativas não fossem aparentemente feitas à mesa dos bares do Bairro Alto. Mesmo com a intervenção de habitual sensatez de Francisco Assis, o desprestígio não se apaga e não interessa a ninguém. Porque não se lembraram antes de propor o mesmo para os decisores políticos? Esses, os potenciais corruptos (e não todos), só fazem declarações, digamos idênticas, no Tribunal Constitucional, sem publicidade e sem sanção pelo incumprimento.
Em suma: vamos mal, em tempo cada vez mais crítico, e nem sequer temos a favor a imagem da "luz ao fundo do túnel", agora substituída por "o túnel ao fundo da Luz"(4).
(1) Termo enganoso. Não significa fdap mas "imobilismo", "estupefacção".
(2) Eu não sei, mas faltou-me a pachorra de ir ao dicionário.
(3) Agora é mesmo verídico, juro.
(4) Desculpem, mas estou como a minha neta: "Eu bem tento, mas não consigo" (resistir a uma boa piada - ouvida a Medeiros Ferreira, diga-se).
Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença).
fbmatos1943@gmail.com
Assina esta coluna semanalmente à sexta-feira
Foi esta estória verídica que me inspirou na teoria da indiferença, em variante egocentrada, isto é: nem para nós somos bons. Que o Governo nos quer bem, e até muito bem, toda a gente sabe. Mas que todos (quase todos) aceitemos flacidamente, anos e anos, amor tão acrisolado e sufocante é algo que me escapa. Os portugueses quiseram quem está no púlpito, em Outubro de 2009, com cartão amarelo, mas quiseram. Quatro meses mais tarde, já não pode haver a 2ª via eleitoral, a conjuntura pura e simplesmente não o admite. Com a oposição, responsavelmente, a deixar passar dois orçamentos e a baixar o tom conflitual. Exige-se, sem complacências, ruído, artifícios, desculpas, vitimizações, inaugurações, segundas pedras, procrastinações, ameaças, chantagem, espectáculos, agendas fúteis ou dedos em riste, que apareça uma governação séria, rigorosa, aberta e mobilizadora. Pode ser que a índole não permita ou, como dizia uma neta minha arrependida, que a situação seja de "eu bem tento mas não consigo". Mas há que intimar, e cooperar após ver desígnio positivo, pois o jogo conflitual da política, na situação, tem que se desviar para um ponto de equilíbrio cooperativo.
Infelizmente, os indícios de cima não são inspiradores, tanto mais que a cada acção corresponde uma reacção e assim cai-se num permanente "tit for tat".
E o "affair" Mário Crespo? Isto já parece "A marca Amarela" sem a imaginação de Jacobs, mesmo tendo suscitado farta curiosidade intelectual na população quanto ao significado do termo "calhandrice"(2), devidamente enfatizado pelo saudoso mas agora injustamente distante ministro Santos Silva. Eu nem vou dissecar o caso, evitando mais do mesmo; só continuo a ver o chão da liberdade opinativa juncado de cadáveres e feridos graves, em atmosfera de intimidação. Um leitor comentarista , que naquele dia não tomou os remédios, há umas semanas, comparava Sócrates ao Marquês de Pombal (3), pelo que temo ver o "louco" Crespo no pelourinho, desfeito à martelada por Jorge Coelho, o do "quem se mete com o PS leva" - coisa de baixa tecnologia e inovação, mas eficaz. Deve ser o "socialismo do sec. XXI" de Chávez, em importação para a Europa.
Cá em casa já só dá para rir, mas gela-se-me a espinha quando vejo pessoas de bem propor legislação para colocar na Internet as declarações de rendimentos brutos dos contribuintes.
Eu sei que se podiam remunerar os "bufos", aumentando o PIB, mas, ainda assim, num partido que se opõe a tudo que possa combater a corrupção (esta "proposta" não a ataca, apenas cria devassa geral, não se vislumbrando a finalidade estrutural), deveria esperar-se que as iniciativas legislativas não fossem aparentemente feitas à mesa dos bares do Bairro Alto. Mesmo com a intervenção de habitual sensatez de Francisco Assis, o desprestígio não se apaga e não interessa a ninguém. Porque não se lembraram antes de propor o mesmo para os decisores políticos? Esses, os potenciais corruptos (e não todos), só fazem declarações, digamos idênticas, no Tribunal Constitucional, sem publicidade e sem sanção pelo incumprimento.
Em suma: vamos mal, em tempo cada vez mais crítico, e nem sequer temos a favor a imagem da "luz ao fundo do túnel", agora substituída por "o túnel ao fundo da Luz"(4).
(1) Termo enganoso. Não significa fdap mas "imobilismo", "estupefacção".
(2) Eu não sei, mas faltou-me a pachorra de ir ao dicionário.
(3) Agora é mesmo verídico, juro.
(4) Desculpem, mas estou como a minha neta: "Eu bem tento, mas não consigo" (resistir a uma boa piada - ouvida a Medeiros Ferreira, diga-se).
Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença).
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