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Mercadona: Veio, Viu, mas (ainda) não Venceu

Ainda não fez um ano que a Mercadona, indubitavelmente, a atual dona do mercado espanhol, com uma quota de mercado que já ultrapassa os 25%, entrou no mercado português, com a abertura de dez lojas na região do Grande Porto, as quais faturaram, durante o segundo semestre de 2019, cerca de 32 milhões de euros

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Segundo anunciou o próprio Juan Roig, na apresentação de contas da empresa relativas a 2019, em Valência.

Desde o anúncio oficial da sua entrada em Portugal, em 23 de junho de 2016, a empresa investiu 220 milhões de euros (dos quais 150 milhões só em 2019 referentes à abertura das lojas, aquisição de novos terrenos e ao arranque do Bloco Logístico da Póvoa de Varzim) emprega 900 colaboradores, colabora com 300 fornecedores portugueses e pagou 11 milhões de euros em impostos.

 

Quanto à atividade global da empresa em 2019, o retalhista espanhol anunciou ter ultrapassado, pela primeira vez, os 25 mil milhões de euros em vendas, correspondendo a uma subida de 5% face ao valor do ano anterior,. Abriu 46 supermercados, dos quais 10 em Portugal e encerrou 46 lojas que, devido às suas características, não podiam ser ajustadas ao novo modelo mais eficiente e sustentável, tendo finalizado o ano com um total de 1.636 supermercados.

 

Por sua vez, o lucro gerado antes de impostos totalizou 1.245 mil milhões de euros (mais 32 milhões que em 2018), dos quais a Mercadona irá distribuir 340 milhões de euros (mais 15 milhões que no ano anterior) pelos seus colaboradores, como sempre faz.

 

No que diz respeito à política de sustentabilidade, a empresa assumiu ainda um efetivo "compromisso com a defesa do meio ambiente", através da incorporação de medidas para produzir de forma sustentável e alcançar um impacto ambiental mais positivo, tendo anunciado continuar a desenvolver esforços centrados na logística sustentável, na eficiência energética, na gestão de resíduos e redução do plástico, traçando ainda o objetivo de chegar a 2025 com três metas alcançadas: a redução de 25% do plástico nas embalagens de marca própria; dotar essas embalagens de uma natureza reciclável ou compostável; separar e enviar para reciclar 100% dos materiais de embalagem que, atualmente, é já de 70%.

 

Da operação da Mercadona em Portugal será, naturalmente ainda muito cedo, para fazer um balanço amplo e conclusivo, mas penso podermos, desde já e face ao que observamos, tecer algumas considerações pertinentes.

 

Em primeiro lugar, a Mercadona, só pelo facto de muitos portugueses das zonas fronteiriças a conhecerem e por ter desenvolvido uma inteligente campanha institucional junto dos meios de informação nacionais, gerou uma forte expectativa junto dos consumidores portugueses.

 

Em segundo lugar, a Mercadona, sendo a empresa retalhista líder em Espanha faturando, nesse país e por ano, mais que todas as empresas retalhistas em Portugal, tendo criado um modelo de negócio quase perfeito e cuja excelência é reconhecida por todos e possuindo um portefólio de marcas próprias de elevada qualidade e notoriedade, suscitou uma forte reação de antecipação através de melhorias de gama, de redução generalizada de preços, reforço de ações promocionais e de abertura de novas lojas, por parte dos concorrentes já presentes no mercado português.

 

Em terceiro lugar, a Mercadona, preparou-se muito bem durante os dois/três anos anteriores às aberturas, na escolha das localizações, na seleção dos fornecedores e no estudo dos gostos dos consumidores portugueses – os "chefes" - através do seu centro de coinovação de Matosinhos, que se ocupa da experimentação de todos os produtos para perceber se estes vão ou não ao encontro do gosto dos "chefes", só entrando em loja após terem encontrado a fórmula certa e obtida a garantia de que estes produtos serão procurados pelos consumidores por força das caraterísticas que apresentam.

 

Em quarto lugar, a Mercadona, optou e bem, por entrar em Portugal, através da região norte uma vez que é a região mais populosa, cujos habitantes melhor conheciam a empresa e estava mais próxima de um dos seus centros logísticos, de modo a testar e aperfeiçoar a sua operação para depois, numa estratégia mancha de azeite, começar a alastrar pelo país, em direção ao sul, nomeadamente a Lisboa, o que deverá acontecer em 2022.

 

Em quinto lugar, a Mercadona, decidiu e bem também, abrir as suas portas ao domingo, contrariando a sua prática em território espanhol, onde encerra todas as suas lojas nesse dia e aplicar a sua política de Sempre Preços Baixos, sem recurso a promoções de preço, tal como também o faz em Espanha.

 

Em sexto lugar, a Mercadona, introduziu inovações muito interessantes do ponto de vista operacional, como por exemplo, os fornos da padaria que permitem prever os fluxos dos consumidores e assim produzir à medida da procura, evitando deste modo muito desperdício e quebra; os carrinhos de compras sem moeda mas com um chip que assinalará a sua saída fora do perímetro da loja; a seção de talho em livre serviço e sem venda assistida, mas com o chamado Ponto de Corte

Final, no qual os clientes poderão solicitar os cortes da carne ao seu gosto; a existência na seção de cosmética e perfumaria de assistentes de venda, que aconselham e assistem os clientes.

 

Mas, passado quase um ano após a primeira abertura, podemos contudo, apontar algumas opções da Mercadona, em minha opinião menos acertadas, que têm contribuído para ofuscar a imagem da empresa e frustrar algumas das expectativas anteriormente criadas no mercado português, tendo até motivado Pedro Santos, o líder do seu maior concorrente, o grupo Jerónimo Martins, a ironizar em entrevista, afirmando que, nas zonas onde abriram as primeiras lojas da Mercadona, as lojas Pingo Doce suas vizinhas, tinham aumentado as suas vendas.

 

Primeiro erro: a seleção do sortido, assente quase exclusivamente, nas suas marcas próprias, principalmente na marca Hacendado, privando os consumidores portugueses de muitas marcas de referência, às quais são fiéis e que não dispensam da sua cesta de compras. Sei bem que, por volta do ano 2010, a Mercadona alterou a sua política de sortido, tendo eliminado muitas marcas espanholas importantes, para manter em muitos produtos, apenas a oferta em linear das suas marcas próprias. Esta opção não teve consequências negativas em Espanha, porque a notoriedade e o reconhecimento das marcas próprias Hacendado, Bosque Verde ou Deliplus já era muito elevada. Mas assim não é em Portugal, onde estas marcas são praticamente desconhecidas dos portugueses que, ao visitarem as lojas da Mercadona, não compreendem a razão de não encontrarem lá as marcas de maior notoriedade no nosso país e que todas as outras insígnias concorrentes oferecem nos seus sortidos.

 

Aliás, a evolução verificada nos últimos dez anos nas empresas discount, nomeadamente no Lidl e no Aldi, que foram obrigados a acrescentar à oferta de marcas próprias dos seus sortidos as principais marcas industriais do mercado português, deveria ter alertado a Mercadona para não repetir este erro que, provavelmente num futuro próximo, terá de corrigir.

 

Particularmente, na secção de vinhos, duas más opções: a primeira respeita ao facto de, e embora de produtores portugueses, as marcas oferecidas são todas marcas desconhecidas e exclusivas da Mercadona. Estes vinhos até podem ser e são, como já comprovei, muito bons mas quem são os portugueses que os conhecem? A segunda má opção desta secção é a não segmentação/identificação, no linear, das regiões vinícolas do país, pois o consumidor português apreciador de vinhos faz a sua escolha, em primeiro lugar pela região e só depois pela marca.

 

Segundo erro: a opção por uma comunicação apenas institucional com total ausência de comunicação do valor e características das suas marcas próprias. Embora a Mercadona ainda não tenha expressão em todo o país, mas tão só na região do Grande Porto, em minha opinião, teria sido fundamental uma campanha de comunicação, dirigida, pelo menos, à região norte, sobre as suas marcas próprias. Que consumidor português sabe que a marca Hacendado é a marca de maior notoriedade em Espanha?

 

Terceiro erro: a oferta de um nível de preços mais elevado que o esperado, apostando numa relação preço/qualidade superior à dos seus concorrentes, confiante que a qualidade dos seus produtos fosse devidamente percepcionada pelo consumidor e assim fizesse esquecer o preço. Esta opção gerou uma percepção junto dos consumidores do Norte do país de que a Mercadona era uma loja mais cara que as outras concorrentes e, não obstante, as recentes reduções de preços introduzidas em cerca de dois mil produtos, a primeira impressão é que ficou na mente dos consumidores e será agora muito mais difícil mudar essa percepção.

 

Recordo que o Pingo Doce, quando na viragem do milénio, procedeu à alteração do seu posicionamento de supermercado qualitativo para supermercado desconto, demorou quase três anos e teve de realizar uma campanha televisiva de publicidade comparativa com o Minipreço para conseguir mudar a percepção dos portugueses.

 

Também a empresa Aldi, fundador do conceito hard discount, e então ainda líder mundial deste formato, cometeu alguns destes erros quando entrou em Portugal e que só corrigiu nos últimos anos, com resultados bem mais positivos.

  

Terão sido ambas vítimas da síndrome do sucesso do seu próprio modelo de negócio?

 

José António Rousseau

Consultor e investigador da UNIDCOM/IADE/IPAM

www.rousseau.com.pt

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