Opinião
Mais vale cair em graça que ser engraçado
Onde se arranja suporte na sabedoria popular a fim de perorar sobre os 100 dias de Santo Obama da Casa Branca, recordando e pondo-o em confronto com o beato John F. Kennedy e outros presidentes com menos glamour .
Lá se passaram os fatídicos 100 dias do estado de graça (agora mais alguns, no momento da tardia leitura) e não houve quem não mandasse alguma "para a caixa" sobre Obama, e eu cá me venho incorporar na procissão.
Quase toda a gente olha embevecida e em apreço, numa prática unanimidade, onde só destoam benfazejos gigantes internacionais como Fidel, Ahmedinajad ou Chávez (o meu favorito desde que usa o Magalhães para joguinhos estratégicos).
O facto é que o homem tomou o lugar provavelmente mais invejado do mundo no pior dos momentos, brindado com a Grande Crise do Crédito e o mundo multipolar pós-Iraque. Dizer que a situação é crítica só pode pecar por defeito.
Agora não vou falar de realizações, obviamente impossíveis em tão curto espaço, nem de actos em particular, que, a meu ver, caíram mais para o lado da feérie que do resultado. Mas devo dizer que o estilo "somos todos muito amigos, estou aqui para aprender e até quero por um baraço ao pescoço" pode dar verdadeira histeria nos programas de "Opinião Pública", mas não me parece grande ideia em termos de "Realpolitik", tanto mais que a flexão de músculo para o nó cego Paquistão/Afganistão que anunciou rapidamente se contradiz, em modo prático (já se vê na NATO).
Isto referido, o homem possui claras qualidades que podem ser decisivas na encruzilhada da sucessão no cargo e que se foram indiciando nestes "one hundred days". Começam mesmo pelo carisma e aparentes qualidades de liderança, propícios para congregar energias e capacidades disponíveis, a que se junta um benquisto pragmatismo, óbvia preocupação de alargar consensos e aptidão para atrair qualidade para a sua equipa.
O conceito ínsito na palavra alemã "geist", que se traduz mal para outras línguas com a ideia de "espírito motivado e motivador", acho que lhe cai bem. Exemplifiquemos com outros dois presidentes americanos, em contraposição, um no positivo, outro no negativo, em contraponto: Para a primeira categoria lembro-me de Ronald Reagan, o homem da vitória da Guerra Fria, do crescimento económico que deixou para trás a "stagflation", e, acima de tudo, do optimismo permanente, o autêntico Prozac para o mal-estar Vietname/Watergate/estagnação. Um homem que, mesmo quando as coisas lhe corriam para o torto ou cometia erros, parecia sair sempre por cima, acaba por arrebatar uma nação.
O antecessor, Jimmy Carter, mesmo com o extraordinário êxito dos acordos de Camp David, os da paz Israel-Egipto, acaba por sintetizar a receita geral do insucesso (1). A ele, ao contrário, tudo lhe aparentava correr mal, com o epílogo catastrófico da operação militar de resgate dos reféns do Irão, falhada no deserto, antes mesmo de chegar a Teerão.
Acredito que, como personagem, Obama cai para o lado Reagan e não Carter, mesmo com o mau presságio de este último ser o único presidente americano que se lhe compara, em aprovação, nas sondagens de fim do "estado de graça".
O último confronto vai ser com Kennedy, que se equipara a Obama na zona da simpatia popular, principalmente europeia. Ora aqui, o Oráculo de Delfos aqui da "Pravda", mesmo sem pensar no assassinato, diz "lagarto, lagarto, lagarto!", e o título desta crónica vai todo para este ponto.
Realmente, Kennedy caiu em graça, mas foi uma desgraça, na política internacional, que é o que interessa ao mundo. Como isto não é um ensaio político, vamos enunciar a correr:
- Ordenou a invasão da Baía dos Porcos, uma aventura patética, e, estando esta a decorrer, proibiu a intervenção da aviação e de outros meios militares, condenando os combatentes à morte ou à prisão; permitiu ou ordenou o assassinato de Castro, acção saldada em fiascos cómicos, dignos do "Mad Magazine"; deste modo, ficou criado o contexto de insegurança que conduziu ao pedido de defesa atómica de Castro à União Soviética.
- O inacreditável aventureirismo de Khrushchev, que ia desencadeando o holocausto nuclear, durante a Crise dos Mísseis, explica-se, pelo menos em parte, pela impressão flácida que Kennedy lhe causou, na cimeira de Viena de 1961, confrontado por continuadas provocações e ameaças.
- Na negociação final, os objectivos soviéticos foram alcançados: os Estados Unidos comprometeram-se a não atacar Cuba e retiraram os mísseis Júpiter da Turquia, sem sequer consultar os galantes turcos nem os aliados da NATO (o secretário de Estado, George Ball, ficou, aliás, indignado). Mesmo tendo o mundo ganho, foi na derrota estratégica de Kennedy (2), ao contrário do que a versão americana fez constar.
-"Last but not least", JFK iniciou a nefasta intervenção militar no Vietname, além de começar por avalizar o assassínio do presidente sul-vietnamita Diem e, assim, transmitir a Ho Chi Min a convicção de que o confronto podia ser ganho, em última análise, quase só politicamente.
Tudo visto, com estas recordações, espero bem que os sorrisos de Obama (bem vindos, diga-se) não substituam a firmeza preventiva, nem a focalização determinada nos objectivos desde o início, sejam de que índole forem. (Já transmiti estes meus desejos à Hillary e ela respondeu que, por ela, estava ok).
(1) Eu, com esta capacidade premonitória que todos reconhecem, tirei-lhe logo a pinta quando na famosa entrevista à "Playboy", (que eu li, mas só depois de uma análise científica atenta às páginas centrais - entendamo-nos), declarou que "no coração sentira desejo por outras mulheres". Claro que um espécimen masculino com estas idiossincrasias, mesmo tendo em casa um pedaço como a Rosalyn, passa mais tempo no chuveiro frio que nas grandes decisões (Clinton resolveu muito bem esta crítica questão).
(2) Para a análise psicológica do jogo "chicken" que se desencadeou, em antecedentes, desenvolvimento e "endgame", é imprescindível o "Annals of Blinkmanship" ("Anais do Jogo de Pestanejar", em tradução livre), do prof. Ernest R. May.
Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote) e "Bolsa para Iniciados" (ed. Presença) fbmatos1943@gmail.com
Assina esta coluna semanalmente à sexta-feira
Quase toda a gente olha embevecida e em apreço, numa prática unanimidade, onde só destoam benfazejos gigantes internacionais como Fidel, Ahmedinajad ou Chávez (o meu favorito desde que usa o Magalhães para joguinhos estratégicos).
Agora não vou falar de realizações, obviamente impossíveis em tão curto espaço, nem de actos em particular, que, a meu ver, caíram mais para o lado da feérie que do resultado. Mas devo dizer que o estilo "somos todos muito amigos, estou aqui para aprender e até quero por um baraço ao pescoço" pode dar verdadeira histeria nos programas de "Opinião Pública", mas não me parece grande ideia em termos de "Realpolitik", tanto mais que a flexão de músculo para o nó cego Paquistão/Afganistão que anunciou rapidamente se contradiz, em modo prático (já se vê na NATO).
Isto referido, o homem possui claras qualidades que podem ser decisivas na encruzilhada da sucessão no cargo e que se foram indiciando nestes "one hundred days". Começam mesmo pelo carisma e aparentes qualidades de liderança, propícios para congregar energias e capacidades disponíveis, a que se junta um benquisto pragmatismo, óbvia preocupação de alargar consensos e aptidão para atrair qualidade para a sua equipa.
O conceito ínsito na palavra alemã "geist", que se traduz mal para outras línguas com a ideia de "espírito motivado e motivador", acho que lhe cai bem. Exemplifiquemos com outros dois presidentes americanos, em contraposição, um no positivo, outro no negativo, em contraponto: Para a primeira categoria lembro-me de Ronald Reagan, o homem da vitória da Guerra Fria, do crescimento económico que deixou para trás a "stagflation", e, acima de tudo, do optimismo permanente, o autêntico Prozac para o mal-estar Vietname/Watergate/estagnação. Um homem que, mesmo quando as coisas lhe corriam para o torto ou cometia erros, parecia sair sempre por cima, acaba por arrebatar uma nação.
O antecessor, Jimmy Carter, mesmo com o extraordinário êxito dos acordos de Camp David, os da paz Israel-Egipto, acaba por sintetizar a receita geral do insucesso (1). A ele, ao contrário, tudo lhe aparentava correr mal, com o epílogo catastrófico da operação militar de resgate dos reféns do Irão, falhada no deserto, antes mesmo de chegar a Teerão.
Acredito que, como personagem, Obama cai para o lado Reagan e não Carter, mesmo com o mau presságio de este último ser o único presidente americano que se lhe compara, em aprovação, nas sondagens de fim do "estado de graça".
O último confronto vai ser com Kennedy, que se equipara a Obama na zona da simpatia popular, principalmente europeia. Ora aqui, o Oráculo de Delfos aqui da "Pravda", mesmo sem pensar no assassinato, diz "lagarto, lagarto, lagarto!", e o título desta crónica vai todo para este ponto.
Realmente, Kennedy caiu em graça, mas foi uma desgraça, na política internacional, que é o que interessa ao mundo. Como isto não é um ensaio político, vamos enunciar a correr:
- Ordenou a invasão da Baía dos Porcos, uma aventura patética, e, estando esta a decorrer, proibiu a intervenção da aviação e de outros meios militares, condenando os combatentes à morte ou à prisão; permitiu ou ordenou o assassinato de Castro, acção saldada em fiascos cómicos, dignos do "Mad Magazine"; deste modo, ficou criado o contexto de insegurança que conduziu ao pedido de defesa atómica de Castro à União Soviética.
- O inacreditável aventureirismo de Khrushchev, que ia desencadeando o holocausto nuclear, durante a Crise dos Mísseis, explica-se, pelo menos em parte, pela impressão flácida que Kennedy lhe causou, na cimeira de Viena de 1961, confrontado por continuadas provocações e ameaças.
- Na negociação final, os objectivos soviéticos foram alcançados: os Estados Unidos comprometeram-se a não atacar Cuba e retiraram os mísseis Júpiter da Turquia, sem sequer consultar os galantes turcos nem os aliados da NATO (o secretário de Estado, George Ball, ficou, aliás, indignado). Mesmo tendo o mundo ganho, foi na derrota estratégica de Kennedy (2), ao contrário do que a versão americana fez constar.
-"Last but not least", JFK iniciou a nefasta intervenção militar no Vietname, além de começar por avalizar o assassínio do presidente sul-vietnamita Diem e, assim, transmitir a Ho Chi Min a convicção de que o confronto podia ser ganho, em última análise, quase só politicamente.
Tudo visto, com estas recordações, espero bem que os sorrisos de Obama (bem vindos, diga-se) não substituam a firmeza preventiva, nem a focalização determinada nos objectivos desde o início, sejam de que índole forem. (Já transmiti estes meus desejos à Hillary e ela respondeu que, por ela, estava ok).
(1) Eu, com esta capacidade premonitória que todos reconhecem, tirei-lhe logo a pinta quando na famosa entrevista à "Playboy", (que eu li, mas só depois de uma análise científica atenta às páginas centrais - entendamo-nos), declarou que "no coração sentira desejo por outras mulheres". Claro que um espécimen masculino com estas idiossincrasias, mesmo tendo em casa um pedaço como a Rosalyn, passa mais tempo no chuveiro frio que nas grandes decisões (Clinton resolveu muito bem esta crítica questão).
(2) Para a análise psicológica do jogo "chicken" que se desencadeou, em antecedentes, desenvolvimento e "endgame", é imprescindível o "Annals of Blinkmanship" ("Anais do Jogo de Pestanejar", em tradução livre), do prof. Ernest R. May.
Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote) e "Bolsa para Iniciados" (ed. Presença) fbmatos1943@gmail.com
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