Opinião
Luís Bento: Portugal fora do Projecto Airbus!
Marcelo Caetano não acreditou na Airbus e Portugal ficou de fora do mais bem sucedido projecto da história da aviação comercial. Será que também agora Portugal decidiu ficar de fora do projecto do avião militar Airbus?
A recente decisão – do ministro da Defesa? do Governo? dos chefes militares? – de não confirmar a já antiga opção de compra dos oito aviões Airbus A400M, causou grande impacto em toda a Europa, nomeadamente nas comunidades aeronáutica e científica, que vêem no novo projecto da Airbus – consórcio europeu – uma nova oportunidade de afirmação da Europa perante a indústria aeromilitar americana e, acima de tudo, a oportunidade de a Europa esbater a dependência americana deste tipo de aeronaves multifuncionais.
Um projecto desta natureza, para entrar na chamada fase de produção industrial, necessita de um número mínimo de unidades encomendadas para assegurar a sua viabilidade económica no arranque. Portugal, até ao passado mês de Fevereiro, fazia parte do pelotão da frente deste projecto, preparando-se para assegurar à indústria portuguesa – cablagens, moldes, metalurgia, tintas, engenharia, investigação – contrapartidas importantes, no quadro de uma colaboração industrial e económica já estruturada em torno daquele que foi o mais bem sucedido projecto industrial do século XX: o projecto comercial Airbus.
Mas, tal como Marcelo Caetano no final dos anos 60 e início da década de setenta, não acreditou no projecto do avião comercial Airbus – e Portugal ficou de fora do mais bem sucedido projecto da história da aviação comercial – também agora Portugal decidiu ficar de fora do projecto do avião militar Airbus.
Os últimos dias têm sido férteis em discussões e polémicas sobre o assunto, parecendo que, afinal, esta não é mais do que uma daquelas questões da política interna a que já estamos habituados. Mas não é assim!
Toda a Europa ficou chocada com a decisão portuguesa pois esta foi tomada quando Portugal já conhecia a decisão alemã de reduzir a sua encomenda em 13 aparelhos, sendo pois os oito aviões encomendados por Portugal absolutamente indispensáveis para o arranque imediato da produção industrial. Assim, Portugal passou a ser falado, não por meramente ter decidido comprar aviões americanos – ou italo-americanos, ainda não se sabe – mas por ter sido responsável pelo adiamento da produção industrial do Airbus A400M, prejudicando assim, directa e indirectamente todos os outros parceiros e a entrada em produção de mais um grande projecto europeu. O projecto terá assim que ser reescalonado, as entregas diferidas e todos os países sofrerão com isso. Será que Portugal ouviu os seus parceiros sobre o assunto? Estudou as consequências económicas para a indústria portuguesa? Ponderou as nefastas consequências políticas?
Os dados disponíveis indicam que não e as repercurssões negativas da decisão portuguesa também o demonstram. Tratou-se, aparentemente, dizem alguns, de mais uma decisão precipitada, sem visão estratégica, tão comum em Portugal, quer no Governo quer fora dele.
Mas as coisas não são assim tão simples. É evidente que as pressões da Lockeed Martin tiveram o seu efeito. É evidente que as promessas de contratos de manutenção para as OGMA tiveram a sua influência*. É evidente, também, que estando Portugal completamente fora do consórcio Airbus, não tinha ali interesses económicos directos a defender, mas parece que ninguém se lembrou que a TAP-Air Portugal detém uma frota exclusivamente Airbus e que está a tratar da renovação dos seus A310.
Não serão de esperar retaliações do consórcio? Económicas ou políticas?
Ou será que vamos ter esses aviões substituídos por Boeing 757-300 como já se houve falar nos meios internacionais? Parece que o negócio teve e têm contornos, directos e indirectos, que estão por explicar. Todos devemos recear, porém, que nada venha a ser clarificado, pois nestas coisas dos negócios da Defesa, a experiência demonstra que raramente o que é tornado público corresponde à realidade. Seja como for, todos devemos ficar apreensivos, pois Portugal não pode voltar a ficar de fora dos grandes projectos europeus no século XXI – como ficou no século XX - só por causa da tacanhez de visão de alguns, nem pode continuar a querer ser membro da EU e, ao mesmo tempo a querer ser parceiro de negócios de uma comunidade e de um espaço económico – o americano – caracterizado por deter o maior complexo-militar industrial do mundo.
Além disso, não se pode tomar uma decisão destas numa altura em que o complexo-militar americano se prepara para a guerra e dizer que a decisão não tem nada a ver com isso. Ou será que Portugal prefere ficar com algumas pequenas migalhas dos despojos de guerra americanos em detrimento da participação continuada num grande projecto europeu? É que as experiências com os A7 Corsair e com os F16, foram dramáticas para a Força Aérea portuguesa e custaram – e continuam a custar – milhões de euros por ano aos contribuintes portugueses. Será que ninguém aprendeu?
Será que, afinal, a política do orgulhosamente sós ainda não está enterrada? Os nossos parceiros da União Europeia estão escandalizados e preocupados.
A indústria nacional, a passar por tantas dificuldades, sofreu mais um rude golpe.
Não será ainda tempo de arrepiar caminho? É que o erro faz parte da natureza humana e a consciência do erro é uma forma superior de inteligência.
Temos que acabar de uma vez por todas com a afirmação pela negativa e percebermos que não podemos continuar a passar ao lado das grandes oportunidades que a vida nos dá.
* Muitos têm sido os quadros da LM, incluindo o seu CEO, que têm passado por Portugal nos últimos tempos.
Luís Bento, Partner da SERH
Artigo publicado no Jornal de Negócios