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09 de Abril de 2002 às 13:57

Luís Bento: As empresas bárbaras e as empresas mortas

Estão mortas as empresas onde impera a competitividade individual exacerbada pela performance do indivíduo, deixando de lado as preocupações com o grupo, a equipa, o meio envolvente, a solidariedade, a cooperação, a inter-ajuda e a cidadania empresarial.

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Recentemente, o Conselho de Homens Justos de Paris («Conseil de Preudhommes») julgou um caso laboral cuja decisão se tornou um libelo acusatório contra aquilo a que os próprios Homens Justos designaram por «as empresas bárbaras».

Quem são estas empresas?

São todas aquelas que, sob a capa da tecnocracia, do liberalismo anarco-terrorista e da globalização, utilizam métodos bárbaros e inquisitoriais para lidar com as pessoas, tratando-as como se de objectos inúteis se tratassem, após terem obtido à sua custa lucros desmesurados.

Vejamos em pormenor, o caso em apreço.

Uma grande multinacional – em situação nada famosa do ponto de vista financeiro - foi buscar à concorrência um alto quadro para dirigir um projecto de expansão de negócios vital para assegurar a sua sobrevivência. Pagou uma indemnização principesca para o alto quadro se desvincular, ofereceu-lhe um salário elevadíssimo, mordomias a condizer, um projecto extraordinariamente aliciante e todos os meios e condições para ser levado à prática. Até aqui, uma situação normal e corriqueira. Portanto, nada de novo.

Após dois anos de trabalho árduo e quando o projecto já era um sucesso enorme de elevada rentabilidade, um belo dia, o tal alto quadro encontrou à porta do seu gabinete uma equipa de limpeza que colocava dentro de sacos para o lixo todos os seus pertences. Perguntou o que se passava à sua secretária e esta deu-lhe a conhecer uma carta do conselho de administração, despedindo-o por incompetência e proibindo-o, a partir daquela hora, de frequentar as instalações da empresa. Após ter lido a carta no gabinete da até então sua secretária, foi acompanhado por dois seguranças até à porta da rua. Nada lhe pagaram, nada lhe disseram, nada argumentaram, para além da decisão que vinha transcrita na carta de que estava despedido por incompetência.

Contratou advogado, meteu acção no Conselho de Homens Justos e estes, considerando «bárbara» a actuação da empresa, condenaram-na da forma mais gravosa possível e elaboraram uma sentença que, pelo seu teor e pela coragem revelada, passará a constituir uma referência incontornável no direito laboral francês e, quiçá, europeu, tendo em atenção a influência que o direito francês ainda exerce.

Algumas revistas de gestão – quer francesas quer suíças – fizeram eco do caso e aproveitaram para proceder a uma investigação sobre estas práticas cada vez mais comuns, mas, infelizmente, pouco publicitadas e discutidas fora dos meios empresariais.

Como todos sabem, não é só em França que isto se passa. Em Portugal, também surgiram nos últimos anos, muitas empresas «bárbaras» que, utilizando os mesmos métodos anarco-terroristas, e nalguns casos verdadeiramente «pidescos», tratam as pessoas de uma forma absolutamente inqualificável.

Todos conhecemos casos, passados em Portugal, que não ficam nada a dever ao caso atrás descrito e alguns conhecem ainda situações mais gravosas. Algumas práticas desta natureza têm sido evitadas devido à formação cívica e humana de advogados que não se prestaram nem prestam a desempenhar o papel de executores deste tipo de façanhas.

A grande diferença é que não temos por cá Conselhos de Homens Justos – afinal aqueles que sempre deveriam aplicar a justiça – nem a celeridade processual que possibilite repor as coisas em tempo útil. Esta barbárie reflecte um estado de espírito medieval e caceteiro, que o nosso sistema de justiça do trabalho ainda não entendeu, porque parte do pressuposto que vivemos num mundo civilizado onde estas práticas não podem acontecer. Mas acontecem e com tal dimensão que um Conselho de Homens Justos, num país civilizado, não se coibiu de as qualificar como práticas «bárbaras».

Estas atitudes de alguns gestores de topo – ãdministradores, directores-gerais, CEO(s) ou directores de pessoal ou de recursos humanos – influenciadas pelo tal liberalismo anarco-terrorista que referi atrás e por um seguidismo desprovido de análise crítica e de princípios, mas de todo em todo injustificáveis, acontecem normalmente nas empresas que o psicossociólogo Sainsalieu designa como as empresas «mortas». Estão mortas, para essa grande figura da sociologia, as empresas onde impera a competitividade individual exacerbada pela performance do indivíduo, deixando de lado as preocupações com o grupo, a equipa, o meio envolvente, a solidariedade, a cooperação, a inter-ajuda e a cidadania empresarial. Ou seja, estão mortas as empresas onde não há vida, naquilo que a vida é e tem de mais nobre.

Estão «mortas» também, as empresas «bárbaras», pois ao não conhecerem nem praticarem os mais elementares traços de humanismo, estarão condenadas, no mínimo, ao purgatório da insolvência. E quando lá chegarem, olham para o lado e ninguém lhes estenderá a mão.

Todos gostarão de ver o seu enterro e ajudarão a lançar mais umas pazadas de terra.


Por Luís Bento

partner da SERH

Comentários para o autor para luis.bento@netcabo.pt

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

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