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Justiça fiscal

Se os Ministérios das Finanças e da Justiça demoraram um ano para legalizar 592 trabalhadores, quem acredita que um dia consigam coordenar-se para apanhar os verdadeiros delinquentes fiscais?

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Se os Ministérios das Finanças e da Justiça demoraram um ano para legalizar 592 trabalhadores, quem acredita que um dia consigam coordenar-se para apanhar os verdadeiros delinquentes fiscais?

A"justiça fiscal" ganhou um novo significado no nosso país: a Justiça não presta contas ao fisco. Aliás, quando o primeiro-ministro avisou que os Ministérios da Justiça e da Segurança Social passavam a colaborar activamente com o Ministério das Finanças, ninguém podia imaginar o alcance dessa cooperação reforçada: a Justiça emprega

funcionários que as Finanças proibiram, retém as suas contribuições e não entrega à Segurança Social.

Muitas coisas inimagináveis aconteceram nesta inacreditável história fiscal que tem o Ministério da doutora Celeste Cardona no seu epicentro. Começa logo pelo facto de, entre Janeiro e Dezembro de 2003, praticamente seis centenas de pessoas terem trabalhado em regime de clandestinidade no interior da Administração Central, ainda por cima dentro do Ministério da Justiça. Os 582 funcionários eventuais terminaram contrato no final de 2002. Não foi autorizada a sua passagem a contrato a termo. Mas a Justiça decidiu ficar com eles, pagar salários sem dotação no Orçamento, passar recibos e fazer os respectivos descontos.

A bandalheira chegou a um ponto tal, que já ninguém se indigna com o facto de o Estado empregar, ao longo de um ano inteiro, pessoas sem vínculo legal. Mas já é um descaramento ver uma fonte "oficial" do Ministério justificar as retenções a essas quinhentas e muitas pessoas, dizendo que "tivemos de tratá-las como se estivessem numa situação regular" (dixit).

E, como não bastava, o doutor Mota Campos, que é secretário de Estado, ainda veio ontem comentar com a maior das tranquilidades que o Ministério não tinha a quem entregar os referidos descontos?!!! Outra coisa que não dá para acreditar, nem sequer o Governo foi por aí, para não insultar a nossa inteligência, é que isto se deveu a um lapso. Um engano pontual. Não. Foi uma prática generalizada, de uma forma continuada e, como se percebe, consciente.

Além disso, é bom recordar, qual era a "especialidade" da então deputada Celeste Cardona, que durante anos e anos, azucrinou a cabeça de sucessivos ministros das Finanças? Assuntos fiscais, precisamente. Não nos compete a nós, comunicação social, julgar esta situação no lugar dos tribunais. Se lá chegar, essa é a responsabilidade do Ministério Público e, em particular do PGR, que tem de explicar muito bem se estamos perante uma prática que configura crime público.

E tem de explicar ainda melhor se chegar à conclusão contrária. Mas é função do jornais denunciar rotinas obscuras dentro do aparelho de Estado, contribuir para o seu esclarecimento e para o apuramento de responsabilidades. É a isso que o Jornal de Negócios se limita, para que a nossa democracia, uma senhora à beira dos trinta anos de idade, ganhe um ar mais respeitável.

O mínimo que se pode dizer é que a doutora Cardona, que obviamente não se demite, não contribui para devolver credibilidade às instituições. Mesmo admitindo que não há matéria penal, de uma responsabilidade não se livra: a política.

Se os Ministérios das Finanças e da Justiça demoraram um ano para legalizar 592 trabalhadores, quem acredita que um dia consigam coordenar-se para apanhar os verdadeiros delinquentes fiscais?

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