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18 de Janeiro de 2011 às 12:00

Juiz em causa própria

No início de cada novo ano, os economistas americanos juntam-se para debater o estado da sua arte. O encontro de 2011 foi a 1.600 metros de altitude, entre as montanhas rochosas, na cidade de Denver, nos Estados Unidos.

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A neve caía sobre o último dia do evento e muitos anteciparam a partida para o aeroporto. Entre os que ficaram, numa sala interior do espelhado Hyatt Regency, debateu-se um código de ética para os economistas.

Uma semana antes do encontro, o presidente da maior sociedade de economistas americanos - American Economic Association - recebeu uma petição. Esta exigia que os seus associados declarem fontes de financiamento e quaisquer relações comerciais e pessoais que possam gerar conflitos de interesse. Há um clamor crescente por transparência na classe dos economistas e para que se desfaça o novelo "academia, finança e serviço público". Um dos exemplos de comportamento danoso consta no documentário que é favorito para um Oscar: "Inside Job - A Verdade da Crise". Um ex-governador da Reserva Federal americana é denunciado como autor de um relatório, à primeira leitura isento e estudioso sobre a indústria financeira Islandesa, mas que fora solicitado e instruído por uma associação comercial desse país. O debate sobre a ética chegou até ao Congresso dos EUA que, em Julho, de 2010 ouviu testemunhos da "crise da teoria económica". As teorias, opiniões e modelos de economistas foram a fundação da economia que subitamente ruiu em 2008. Má engenharia ou maus engenheiros?

Do painel que reviu a questão em Denver, George DeMartino, autor de "O Juramento do Economista" ("The Economist's Oath"), argumenta que os economistas são culpados de abusar da confiança do público e do Estado ao confundir ideologia com ciência. David Colander, que repetiu argumentos oferecidos ao Congresso, não vê culpa, somente má ciência: os cálculos abstractos de fácil uso e circulação iludem-nos da complexidade de economias reais. Dean Baker vai pelo mesmo caminho, acusando o FMI de programas que ao tentar saldar finanças publicas são cegos para os custos sociais que acarretam. Este debate faz uma descoberta importante. A teoria económica e os seus profissionais são uma poderosa força política. Os métodos e as opiniões de economistas inflectem as trajectórias de empresas, de governos e parlamentos. Contudo, os economistas mantêm a ficção de que são meros observadores de uma realidade exterior, imunes ao suborno e à sugestão, desprovidos de preconceito e ideologia.

Ao longo dos seus 100 anos, a principal sociedade de economistas americanos recebeu inúmeras propostas de auto-regulação ética, e todas falharam. Os economistas unem-se para conferir prémios e ouvir discursos, mas jamais para tentar legislar a sua profissão. A par com as dezenas de seminários simultâneos, os encontros anuais são uma feira. As editoras apresentam os últimos manuais e "software", e autores interpelam editores com conceitos para um novo ciclo de publicações. Jornalistas entram e saem de sessões em busca de notícias e análise. Com jantares e idas ao bar firmam-se colaborações. Mas acima de tudo, literalmente acima, nos quartos de hotéis transformados em escritórios de campanha, há uma feira de emprego. As universidades, os bancos centrais e as grandes instituições públicas, entrevistam os jovens doutorados em busca do seu primeiro emprego. Impor contenção e auto-crítica aos economistas entre esta energia e ambição é uma batalha perdida.

Alem de irrealista, esta é também uma má ideia. A crise da teoria económica nasce de abusos nos seus usos. Não nos serve mais vigilância periódica entre colegas, aqueles que produzem saber. Entre colegas cada declaração é documentada, cuidadosamente despida de superlativos. A humildade desaparece quando o profissional entra no espaço público, onde poucos admitem o que não sabem, e muitos ganham heróica confiança no que pensam. Transparência nos financiamentos e nas relações ilícitas são bem vindos e é, antes de mais, uma questão para os tribunais. Mas a transparência que mais nos falta é a de leigos, políticos e gestores informados dos limites do que sabemos, que interroguem esses limites. Precisamos de um debate cívico e de uma economia imunes a decisões automáticas e a consensos fáceis da pseudo-ciência e de proto-especialistas. E, para isso, o saber económico tem de deixar de ser algo misterioso, incompreensível e inacessível. É preciso democratizar a ciência económica. Nas alturas de Denver, economistas debateram outros economistas. Mas só teremos ética quando a conversa incluir todos os outros.

Historiador e Economista, Universidade de Duke, EUA.
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