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21 de Março de 2002 às 16:23

José Carvalho: «A proposta»

As empresas necessitam, para além de bons produtos ou serviços, de uma boa organização para os implementar, distribuir ou produzir, de um bom canal de vendas e, de uma imagem consistente, forte, eficaz e facilmente perceptível, nas suas propostas.

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Se escrevesse um livro com o título «Nunca perdi uma proposta», subordinado ao tema da adjudicação de propostas, seria infalivelmente um «best seller».

Nos dias que correm as empresas necessitam, para além de bons produtos ou serviços, de uma boa organização para os implementar, distribuir ou produzir, de um bom canal de vendas e, de uma imagem consistente, forte, eficaz e facilmente perceptível, nas suas propostas.

A avaliação das propostas é feita a diversos níveis dependendo das ofertas, da dimensão das organizações e do montante da proposta mas, existe um elemento comum a todas elas. O DECISOR. Todas as propostas são objecto de uma decisão. Mesmo que o decisor seja uma comissão e, ainda que as propostas sejam previamente «triadas» por um comité de avaliação, todas elas deverão ter uma resposta final.

Porque acredito que a formulação, bem como a formatação de uma proposta, pode fazer a diferença num processo de adjudicação vou, neste artigo, falar dos aspectos que considero mais importantes neste processo: a proposta e o decisor. Pode parecer-lhe um tema irrelevante e o seu conteúdo banal mas, se assim é, porque continuamos a ver no dia a dia propostas de valor tão mal formatadas?

As propostas de fornecimento de produtos são mais simples de produzir do que as de prestação de serviços. Os produtos são coisas objectivas, facilmente documentadas pelas suas características técnicas e, muitas vezes susceptíveis de comparação com outros concorrentes. A decisão de uma proposta de produtos é feita normalmente, pelas características/funcionalidades, pelo preço, pelo prazo de entrega, pelas condições de assistência/manutenção e, quando aplicável, pela capacidade de expansão futura.

Já as ofertas de serviços são bem mais difíceis de apresentar em proposta. Em primeiro lugar os serviços não são tangíveis. Não se conseguem comparar entre si. Como é que eu comprovo que uma aplicação que me proponho desenvolver dentro de especificações que me foram impostas é melhor que outra desenvolvida por um concorrente meu? Como é que demonstro que um meu serviço de assistência técnica realizado por um profissional certificado é melhor que o de um concorrente meu desenvolvido por um técnico de igual perfil?

Os serviços diferenciam-se entre si pela capacidade que eu tiver de demonstrar ao cliente que as minhas qualificações, a minha competência, a minha experiência, a minha visão do seu negócio, a minha capacidade de entender as suas necessidades e a forma como o meu serviço lhes responde, constituem a melhor solução. Muitos destes aspectos discutem-se e apresentam-se em reuniões mas, grande parte deles tem de ser consubstanciado em proposta. E a proposta tem que disponibilizar toda esta informação sem se tornar fastidiosa e entediante. Tem que ser simultaneamente pragmática e objectiva e por outro lado, reflectir experiências, competências e qualificações, que fazem parte do passado e não estão objectivamente ligadas com a oferta presente.

Existem várias técnicas na produção de propostas de serviços mas a que eu sempre preferi é a de separar claramente aquilo que é objecto da proposta do que são factos que suportam as competências. Adicionalmente, um sumário executivo ajuda o decisor a, no momento final, olhar apenas para os aspectos fundamentais que condicionam a sua decisão. Difícil é, muitas vezes, entender quais os critérios que mais pesam na decisão e passá-los sucintamente a papel.

A experiência acumulada ao longo de muitos anos de consultoria diz-me que as propostas não podem ser todas iguais. Em última análise cada decisor deverá ter um formato de proposta diferente. É que as decisões são tomadas por pessoas e as motivações destas são diferentes de caso para caso.

Ao longo da vida encontrei muitos tipos diferentes de decisores: destemidos, visionários, pragmáticos, conservadores, tecnófobos enfim, um ror de tipos de pessoas tão diferentes quanto as abordagens a fazer. Diferenças que aparecem também dentro do mesmo tipo. Um decisor destemido de uma empresa pública não decide da mesma forma que um de uma empresa privada. Para além disso um decisor, por muito destemido que seja, não decide da mesma maneira uma proposta de 50.000 Euros ou uma de 5.000.000.

Sei, por experiência, como é difícil formatar propostas para decisores tecnófobos. Aqueles que, com medo que no futuro alguma coisa lhes possa ser apontado por uma má decisão e que colocam tantas condições, tantos obstáculos, tantos critérios que nem eles próprios se conseguem entender.

Existem metodologias e aplicações que ajudam os decisores a tomar decisões, nomeadamente metodologias baseadas em análise multi-critério bem como outras suportadas por Sistemas de Apoio à Decisão. Estas metodologias sustentam-se num principio simples que consiste na definição dos critérios e na sua ponderação, para permitir a construção de cenários referentes às várias decisões possíveis, apontando vantagens e desvantagens , quando possível quantificando essas mesmas vantagens, e induzindo a decisão. O segredo das melhores abordagens está em retirar a parcela de subjectividade que está inerente a um processo de avaliação de propostas.

Mas não há sistema, por muito bom que seja, que se sobreponha ao carácter do decisor. O tipo de decisor tem muitas vezes a ver com a filosofia da organização. Quanto mais alto na hierarquia está o nosso decisor mais o seu comportamento influencia a estratégia da própria companhia. O decisor é uma peça chave no processo e é sobre ele que vou falar de seguida.

O destemido decide por impulso, em resposta a um sentimento que lhe é gerado por uma necessidade, muitas vezes por si criada. O decisor destemido não se preocupa com o risco. Aliás, para ele o risco não existe. São normalmente os Inovadores no mercado. As propostas para os destemidos têm que se basear na novidade.

O Visionário é tipicamente o decisor que deseja que a sua empresa dê o salto estratégico, avaliando mas correndo um risco elevado, e que decide com o objectivo claro de estar à frente do mercado. As propostas para ele têm que mostrar uma visão para o futuro.

O pragmático decide com o objectivo de atingir a maturidade do seu negócio. Avalia e tenta minimizar o risco e prefere propostas consubstanciadas em soluções testadas.

O conservador procura ofertas completas e de baixo risco. E, como se costuma dizer que «Quem não arrisca não petisca», são sempre os últimos a atingir a maturidade. São facilmente ultrapassados pelos concorrentes e as propostas, para eles, devem ser produzidas com a preocupação de retirar o risco na implementação da solução.

Finalmente encontramos um tipo de decisor que normalmente … não decide. São os tecnófobos ou, se quiserem alargar o conceito para outras áreas que não as tecnológicas, os medrosos. Para estes o risco não existe porque se perdem em infindáveis análises de custo/benefício e, como resultado disso, chegam sempre mais atrasados do que os seus concorrentes.

Como vê, o processo de formulação e formatação de uma proposta é complexo. Sugiro-lhe pois que esteja atento. Perceba quem é o seu interlocutor e formate a sua proposta de oferta de bens ou serviços da forma mais adequada para atingir o seu objectivo. Ajude o seu interlocutor a decidir e não lhe crie dificuldades. E, já agora, se tiver sucesso não se esqueça de escrever um livro. Eu vou estar lá para o comprar.

Por José Carvalho


Vice-President

Cap Gemini Ernst & Young
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