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17 de Novembro de 2011 às 23:30

Jazz para gestores

Tendemos a associar estética e perfeição. O jazz, no entanto, sugere a potencialidade estética da imperfeição. As organizações são entidades imperfeitas. São processos e não "coisas". Nunca estão acabadas, completadas, e têm uma propensão para se desorganizarem. Organizar exige esforço e atenção constantes.

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O jazz mostra que é possível entender o erro como parte do processo de aprendizagem. Ninguém aprende sem cometer erros. Organizações saudáveis dão espaço às pessoas para estas cometerem os erros necessários para a aprendizagem. O problema é que muitas organizações estão desenhadas para a eficiência e para a "performance" óptima. Abominam o erro. Se se acredita na excelência, o erro é uma aberração. E muitos gestores acreditam, a avaliar pelo sucesso de "Na Senda da Excelência", o mega "best seller" de Tom Peters e Robert Waterman. Numa organização excelente já não se cometem erros.

O problema: uma organização perfeita é uma organização cristalizada num mundo que não cessa de mudar, de adquirir novas qualidades. Uma organização perfeita é por isso uma organização condenada. Metaforicamente, uma bela adormecida. Esta concepção da excelência e a exclusão do erro parecem duas escolhas perigosas.

Considere-se em alternativa a afirmação de Miles Davis acerca dos erros: "Bird [Charlie Parker] disse-me, ainda eu era muito novo, praticamente a sair de Julliard, que se tocares algo que pareça errado, deves tocá-lo outra vez, e depois a mesma coisa uma terceira vez. ... Aí vão pensar que era isso o que querias fazer. … Não há notas erradas em jazz." E depois considere-se a sugestão de Paul Schoemaker e Robert Gunther: aprender com os erros pode ser tão valioso que as organizações devem procurar cometer erros "deliberadamente". A sugestão, obviamente, parece abstrusa: porque razão há-de uma organização procurar cometer erros em vez de evitá-los? Quem gosta de assumir ter cometido um erro?

Antes de eliminar a sugestão por absurda, considere-se uma distinção entre erros:

• Há erros honestos, que ajudam a aprender. Fazem parte do processo de aprendizagem.

• Há erros "errados", que devem ser evitados porque não trazem nenhuns ganhos e vêm acompanhados das perdas dos erros - mesmo os erros honestos têm esta componente. Um "erro errado" é aquele que resulta do desleixo, da falta de atenção, da incompetência, da preguiça.

Quando deve uma organização aceitar, ou mesmo cultivar, os erros honestos? Várias possibilidades podem ser consideradas. Primeiro, quando os ganhos potenciais do erro superam as perdas. Segundo, quando o erro é o resultado de uma tentativa de "abanar" um processo que está a ficar demasiado rígido, esclerótico. Terceiro, quando a envolvente está a mudar demasiado e precisamos de a acompanhar, o que obriga a deitar fora processos afinados pela rotina. Quarto, quando o problema contém ambiguidade e não há boas soluções óbvias, o que obriga a experimentar. Quinto, quando a organização tem escassa experiência com um problema/área.

O mundo das organizações está repleto de casos ilustrativos de como estar preparado para errar pode ser um bom caminho para acertar. Por exemplo, Thomas Edison revelou persistência no desenvolvimento do fonógrafo apesar de estar convencido de se tratar de uma ideia destituída de valor comercial. David Ogilvy, pioneiro da publicidade, produzia anúncios que pensava virem a falhar, deliberadamente. A maioria confirmava a predição, mas os que sucediam abriam pistas interessantes para a inovação. Na comunicação de uma operação de IPO a Google avisava que os potenciais investidores de que deviam estar preparados para os investimentos da companhia em áreas que lhes pareceriam "especulativas" ou mesmo "estranhas".

À semelhança do que sucede no jazz, a disponibilidade para falhar - com bom senso e a necessária dose de prudência - revela ingredientes organizacionais valiosos. Sinaliza curiosidade, vontade de desbravar novos caminhos. Revela coragem: é muito mais cómodo não arriscar. Expressa maturidade: é preciso maturidade para aceitar correr riscos que podem resultar nas críticas óbvias ("Eu bem tinha avisado". "Eu sempre disse que este seria o resultado"). Os velhos do Restelo de cada Restelo organizacional adoram que os seus adversários corram este tipo de riscos. Por isso, caro leitor, corra-os ou torne-se você mesmo um deles.



Mais sobre o mesmo em Schoemaker & Gunther, The wisdom of deliberate mistakes. Harvard Business Review, Junho de 2006.

Professor catedrático, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
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