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26 de Outubro de 2012 às 12:38

Ideologias e um bando de tubarões (*)

É conhecido o complexo de inferioridade europeu para com os Alemães. Quase todos os europeus consideram o país um exemplo a seguir no que toca à eficácia ou à produtividade

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"Um homem vê no Mundo aquilo que traz no coração"
Johann Wolfgang von Goethe, "Fausto", 1806.


É conhecido o complexo de inferioridade europeu para com os Alemães. Quase todos os europeus consideram o país um exemplo a seguir no que toca à eficácia ou à produtividade - estranhamente, nunca se fala da sua qualidade de vida associada, por exemplo, aos espaços verdes ou à arquitectura e urbanismo, ou aos transportes públicos, como forma motriz dessa mesma produtividade; paradoxalmente, quase todos os governos dos Europeus seguem hoje a cartilha Merkel, que mais não é do que a denegação absoluta de tudo isso. A Alemanha foi feita com investimento - e perdão da dívida. A austeridade é o desperdício dos governantes e financistas reinventado em cínico exercício de virtuosismo dos povos.

No passado dia 2 de Outubro, João Carlos Barradas descrevia bem os dias de hoje na política alemã, neste jornal, em artigo intitulado "O reverso de Merkel". Em 2008, durante o seu primeiro governo, Angela Merkel, democrata-cristã, surgia com um ar grave na Televisão, para se dirigir aos Alemães. Ao seu lado está Peer Steinbrueck, seu ministro das Finanças, Social-Democrata, do partido SPD, que sustentava na altura a primeira coligação da Chanceler. Falam para dizer aos depositantes: o vosso dinheiro está seguro, os depósitos dos cidadãos no falido Hypovereinsbank estão garantidos. Sim, um banco alemão faliu; o "Hypo", banco de investimento imobiliário, faliu.

Steinbrueck ficou conhecido pela forma como lidou politicamente com este problema, e vale a pena analisar o seu trajecto diagnóstico/solução para perceber melhor a cópia foleira que é Vítor Gaspar desta "escola". Sobretudo, vale a pena perceber a força política que Steinbrueck adquiriu ao longo do processo, fomentando um sentido de "Estado" como coisa suprapartidária. O SPD é devastado em 2009, aquando das eleições que reelegeriam Angela Merkel. Por isso, a coligação tripartida entre CDU (de Merkel), o próprio SPD (na altura liderado por Walter Steinmeier, responsável público pela queda) e a CSU, a União Cristã Social (bávara como o Hypo), é transformada agora em órgão politicamente bicéfalo - em vez do triunvirato que lhe tinha antecedido. A quarta pessoa mais poderosa do mundo (segundo a revista "Forbes"), desviou, assim, para a Direita a coligação, juntando-se à CSU que, já de si, é considerada uma geminação bávara da mais Federalista CDU.

Steinbrueck é o natural candidato do SPD nas eleições alemãs de Setembro de 2013. Para contrapor à "Iron Frau" - cujo ferro salvou de afundar em 2008 - Steinbrueck tem propostas concretas. Crítico das hesitações enferrujadas de Angela Merkel, propõe a criação de um Fundo de Resgate para os Bancos Alemães. Defende como essencial a separação da Banca de Investimento da Banca do retalho, como forma de proteger os clientes das loucuras das administrações (vide o nosso caso BPN/SLN); diz-se publicamente crítico das opções de Merkel, que considera terem agravado a crise europeia. Quanto à discussão da federalização política europeia, é timorato, sem explicar, para já, se por razões ideológicas ou eleitorais... Aguardemos.

Dias obscuros, nos arcos do poder. A social-democracia taxa com a pujança esmagadora do estalinismo; o socialismo partiu a cabeça contra o saloio muro da tecnologia e da finança e não se liberta dos homens de negócios aos quais pediu o sucesso emprestado; a democracia-cristã tem um líder que já só vê as feiras pelo periscópio (sim, é uma referência aos submarinos que, nada por acaso, são de fabrico alemão e caso de polícia por aquelas bandas). Veremos se há lugar para um optimismo relativo a nível Europeu; a Alemanha pertence, por direito e dimensão inegáveis, à cultura Europeia, e isso nada tem a haver com a indústria automóvel nem "autobahns". O problema é que tudo o que é grande se tenta pelo poder; mesmo que seja preciso vender a alma ao Diabo, como fez o Dr. Fausto.

Vamos a ver se o cardume, enquanto se reagrupa, não sai arrasado por mais um furtivo bando de tubarões. Não é um peixe que cace, sabia? É um animal de emboscada. Por isso, há bandeiras da Banca erguidas nos mastros, como se de Estados se tratassem.




(*) Deve ser lido em díptico com o texto que aqui publiquei a semana passada, "Ideologias e um cardume de sardinhas".

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