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30 de Janeiro de 2009 às 13:00

Guerra e paz no Iraque (parte II)

Continuando Deste modo, é totalmente evidente que o Iraque não cumprira as exigências do ultimatum (vd. acima), ficando, pois, desencadeado o caminho da guerra.

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Continuando…

Os dados da questão configuravam-se, portanto, da maneira seguinte:

- Estava reaberto o mecanismo da resolução 678, a que dera origem à 1ª Guerra do Golfo, isto é, o ataque militar ao Iraque.

- O Iraque recebia um ultimatum para desarmar, cooperando com os inspectores da ONU (a UNMOVIC, chefiada por Hans Blix, já antes citado), de forma "imediata, incondicional e pró-activa".

- Não o fazendo incorria nas "mais sérias consequências". O que, na linguagem diplomática contextualizada, significava guerra(1).

- O ónus de prova sobre a existência ou não de armas de destruição maciça (ADM) e dos respectivos meios preparatórios recaía sobre o Iraque (de notar incisivamente).

Pois bem: Em 7/3/2003, isto é, três meses de inspecções mais tarde (aqui já se pode apreciar o requisito "imediato"), Hans Blix apresentou o seu relatório ao Conselho de Segurança (CS)(2), com enorme expectativa, e com as câmaras de todo o mundo viradas para a respectiva apresentação oral(3).

Afirmando que a inspecção não encontrara ADM, não punha de parte a hipótese, e terminava afirmando que "qualquer conclusão", mesmo com "cooperação pró-activa do Iraque (que não tivera), induzida por continuada pressão exterior", "não levaria semanas mas sim meses".(4)

Deste modo, é totalmente evidente que o Iraque não cumprira as exigências do ultimatum (vd. acima), ficando, pois, desencadeado o caminho da guerra.

Como se vê, para o "casus belli", nos termos do CS da ONU, não havia necessidade de obrigatoriamente encontrar ADM, pois a prova sobre a sua não existência competia ao Iraque, país, aliás, que se furtara completamente (excepto na admissão de entrada) à cooperação com a UNMOVIC, como se viu(5).

Agora dividem-se os caminhos:

- Uns sustentam que seria necessária uma segunda resolução para constatar o incumprimento da 1441 e fazer desencadear a ofensiva armada.

- Outros vêem aí uma redundância, visto que o incumprimento, a existir, quem o iria declarar seriam os inspectores de desarmamento, em mera questão de facto.

Não há espaço para fazer exaurir os argumentos, dum e doutro lado, e eu limitar-me-ei a dizer que há mérito em ambas as posições.

E eis chegados ao meu ponto de vista:

- Embora questionável o fundamento, a invasão do Iraque teve uma forte legitimação legal (ao contrário de quase todas as intervenções militares dos últimos 60 anos, como, por exemplo, a da NATO nos Balcãs, nos anos 90 do séc. XX, sob os auspícios europeus e de Clinton, que foi à total revelia da ONU).

Também teve o apoio maioritário dos países que se pronunciaram sobre o assunto, nomeadamente europeus – facto que escapa permanentemente nesta discussão.

Um aparte irrelevante para finalizar, o que não é uma maneira muito aprimorada, mas hoje é a que sai: Quanto ao "slogan" de manifestação sobre "a mentira de Bush e Blair", segundo Bob Woodward, Charles Tenet, o director da CIA, que, aliás, apareceu ao lado de Colin Powell na reunião final do CS, garantiu a George W. que as ADM existiam (6)(7). Também um tribunal britânico, numa acção interposta contra Blair, concluiu que o PM britânico agira de boa-fé, convencido pela "inteligência" britânica e americana.

Nota – Para a semana há mais Iraque, a parte III. Continue a reter a respiração.

(1) Por um lado, já estava implementado o meio do "bloqueio", e o seguinte, ainda que na linguagem eufemística do art. 42 da Carta da ONU, é, exactamente, a guerra; por outro lado, tal palavra, por princípio nunca aparece, mesmo na resolução 678 (onde coube antes na expressão "todos os meios necessários").

Este argumento é, aliás, praticamente pacífico.

(2) Total transcrição em http://www.un.org/Depts/unmovic/SC7asdelivered.htm.

3) Assisti a isso na CNN, até porque estava a pensar regressar à bolsa depois do "crash" de 2000, e o destino bélico ia determinar tudo. Questão de cuidado com a principal obra caritativa cá de casa, a minha própria algibeira.

4) Chirac, presidente francês e modelo de lealdade transatlântica, propôs uma delonga de 3 meses. Ora, com a chegada do Verão, as operações militares eram impossíveis, equivalendo o intervalo, realmente, a cerca de 9 meses. Com 150.000 homens já estacionados no Kuwait e toda a marinha e força aérea deslocada, dado o ultimatum, eu até me surpreendi que GWB não tivesse perdido a cabeça e mandado atacar cirurgicamente a casa de banho do Eliseu, num momento intimo detectado por satélite.

5) Diga-se que toda a gente estava convencida de que existiam ADM não atómicas que, aliás, o Iraque já usara. Se não, porque iria Saddam arriscar-se a ser "destronado", quando lhe bastaria cooperar com os inspectores da ONU?

6) Não consegui traduzir com exactidão a expressão usada por Tenet, por ser rara e idiomática: "slam dunk".

7) No seu notável "Impasses", o saudoso Fernando Gil, um kantiano ilustre, conta, em rodapé, uma anedota acerca do delírio contra George Bush: Este e o Papa têm um encontro formal no Atlântico. O chapéu do Papa voa e cai ao mar. Então, George W, caminhando sobre a água, vai buscá-lo. Notícia dos jornais do dia seguinte: "George Bush não sabe nadar".

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