Opinião
Globalização e o jogo bonito
De que forma é que a globalização remodela a riqueza e as oportunidades em todo o mundo? Trata-se, essencialmente, de uma força em prol do bem, permitindo que as nações pobres saiam da pobreza ao fazerem parte dos mercados globais? Ou cria enormes oportun
Para termos resposta a estas perguntas, não é preciso procurar muito além do futebol. Desde que os clubes europeus flexibilizaram as restrições quanto ao número de jogadores estrangeiros, o jogo tornou-se verdadeiramente global. Os jogadores africanos, em particular, estão por todo o lado, suplementando o habitual séquito de brasileiros e argentinos. A presença de estrangeiros no futebol ultrapassa qualquer outro número noutras áreas do comércio internacional.
O Arsenal, que actualmente lidera a Primeira Liga Inglesa, entra em campo com 11 jogadores iniciais que, normalmente, não incluem um único britânico. De facto, todos os jogadores ingleses dos quatro clubes britânicos que recentemente passaram aos oitavos de final da Liga de Campeões da UEFA dificilmente seriam suficientes para compôr uma única equipa.
Não há muitas dúvidas de que os jogadores estrangeiros melhoram a qualidade do jogo nos campeonatos dos clubes europeus. O palco europeu do futebol não teria metade do empolgamento sem jogadores como Didier Drogba, da Costa do Marfim (Chelsea), ou Samuel Eto’o, dos Camarões (Barcelona). Os benefícios que isto traz para os talentos africanos também são fáceis de perceber. Os jogadores africanos conseguem ganhar muito mais dinheiro se negociarem as suas competências na Europa – não apenas nos clubes de topo de muitas das Primeiras Ligas da Europa Ocidental, como Espanha, mas também nos inúmeros clubes “novos-ricos” da Rússia, Ucrânia ou Turquia.
É certo que a mobilidade internacional dos jogadores de futebol aumentou a disparidade de rendimentos entre estrelas como Drogba e Eto’o e os seus compatriotas que jogam nas suas terras natais. Isto faz parte da globalização: as melhores oportunidades económicas globais conduzem a maiores disparidades entre os que têm competências ou sorte suficiente para as aproveitarem e os que não as têm. Este tipo de desigualdade não é necessariamente uma coisa má. Melhora a vida de algumas pessoas sem piorar a de outras.
No entanto, os entusiastas do futebol interessam-se tanto pelo seu país como por futebol e, neste caso, os efeitos da mobilidade global de talentos não são tão claros. Muitos receiam que a qualidade das equipas nacionais seja prejudicada pela disponibilidade de jogadores estrangeiros. Porquê investir no desenvolvimento de talentos locais se as competências necessárias podem ser recrutadas lá fora?
Uma vez mais, Inglaterra é um bom exemplo. Muitos culpam o fracasso do país em qualificar-se para o campeonato europeu deste Verão devido à preponderância de jogadores estrangeiros nas equipas inglesas. Há, também, um outro movimento oposto que se tem vindo a salientar. Sepp Blatter, presidente da FIFA, o órgão regulador do futebol internacional, tem estado a promover um plano para limitar a cinco o número de jogadores estrangeiros que as equipas podem ter em campo.
O impacto da globalização do futebol sobre os países africanos parece ser justamente o oposto. Por um lado, aumentou a qualidade de muitas equipas nacionais africanas em relação a equipas nacionais europeias, com países como os Camarões e a Costa do Marfim a terem agora equipas em campo que incluem alguns dos melhores jogadores dos clubes europeus. Por outro lado, a globalização poderá ter reduzido a qualidade das ligas domésticas africanas face às ligas europeias.
Se você residir em Yaoundé, o declínio da qualidade de jogo doméstico poderá não ser uma coisa muito importante se conseguir o acesso a uma ligação por cabo que lhe permita sintonizar a Primeira Liga inglesa. Caso contrário, tem todo o direito a sentir que a globalização o deixou do lado de fora.
O Campeonato Africano das Nações de 2008, realizado no Gana em Janeiro e Fevereiro passados, revelou a interdependência bilateral criada pela globalização do futebol. Muitos clubes europeus ficaram sem os seus principais jogadores, que foram chamados a jogar nas selecções nacionais dos seus países. Por seu lado, os jogadores africanos lamentavam que a sua ausência da Europa pudesse reduzir as suas oportunidades comerciais num período crucial de jogos das ligas.
Mas a lição mais importante que saiu do Campeonato Africano foi que as nações bem sucedidas são aquelas que conjugam as oportunidades da globalização com sólidas bases domésticas. Isto porque o vencedor do Campeonato não foi a Costa do Marfim ou os Camarões ou qualquer uma das outras equipas africanas cheias de estrelas das ligas europeias, mas sim o Egipto, que levou para o campo apenas quatro jogadores (entre 23) que jogam na Europa.
Em contrapartida, a equipa dos Camarões, que o Egipto derrotou na final, surgiu apenas com um jogador de um clube africano e com 20 jogadores de clubes europeus. Poucos jogadores egípcios seriam conhecidos dos europeus que assistiram ao jogo, mas o Egipto jogou muito melhor e mereceu ganhar. Nem sequer foi um acaso feliz: o Egipto é, de forma consistente, a equipa nacional com maior êxito nos torneios do Campeonato Africano, tendo já ganho cinco vezes anteriormente.
A lição não é a de que optar por um jogador globalizado é uma má escolha. Se essa fosse a chave do sucesso do Egipto, então o Sudão, que não tem quaisquer jogadores na Europa, também teria tido um bom desempenho. Em vez disso, o Sudão (a par com o Benin) foi a equipa menos bem sucedida do torneio, perdendo os três jogos que disputou.
A verdadeira lição é que, para se aproveitar plenamente a globalização, é preciso desenvolver capacidades domésticas, conjugadas com ligações ao estrangeiro. Aquilo que fez a diferença, no caso do Egipto, foi o facto de dispôr de uma forte selecção de jogadores domésticos, que promove a profundidade do talento e a coerência como equipa nacional.
O mesmo acontece com os campeões da globalização noutros palcos. Aquilo que distingue as Chinas e Índias deste mundo não tem a ver com o facto de se terem exposto às forças da globalização, mas o facto de terem recorrido a essas forças para melhorarem as suas competências internas. Os benefícios da globalização são para quem faz o trabalho de casa.