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Um mundo desglobalizado?

Poderá demorar alguns meses ou um par de anos, mas, de uma ou de outra forma, os Estados Unidos e outras economias avançadas acabarão por recuperar da actual crise. No entanto, é improvável que a economia mundial volte...

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Poderá demorar alguns meses ou um par de anos, mas, de uma ou de outra forma, os Estados Unidos e outras economias avançadas acabarão por recuperar da actual crise. No entanto, é improvável que a economia mundial volte a ser o que era antes.

Quando o pior da crise já tiver passado, é provável que nos deparemos com uma espécie de mundo desglobalizado, em que o comércio internacional cresça a um ritmo mais lento, em que haja menos financiamento externo e o apetite dos países ricos pela gestão de enormes défices das contas correntes seja significativamente menor. Será que os países em desenvolvimento vão ser penalizados por esta situação?

Não necessariamente. O crescimento no mundo em desenvolvimento tende a produzir-se em três variantes distintas. Primeiro vem o crescimento gerado pelos empréstimos externos. Em segundo lugar ocorre o crescimento na qualidade de subproduto dos "booms" das matérias-primas. Em terceiro, o crescimento liderado pela reestruturação económica e pela diversificação para novos produtos.

Os primeiros dois modelos implicam maiores riscos do que o terceiro. Mas não deveríamos perder o sono por causa disso, porque têm muitas imperfeições e acabarão por ser insustentáveis. Aquilo que deve ser de maior preocupação é o potencial fardo que os países do último grupo poderão ter que suportar. Estes países precisarão de passar por grandes mudanças ao nível das suas políticas, de modo a adaptarem-se às novas realidades de hoje.

Os primeiros dois modelos de crescimento levam, invariavelmente, a um mau desfecho. Pedir empréstimos ao estrangeiro pode permitir aos consumidores e governos viverem acima das suas possibilidades durante algum tempo, mas a dependência de capital externo é uma estratégia pouco sensata. O problema não está só no facto de os fluxos de capital estrangeiro poderem facilmente inverter a direcção, mas também na possibilidade de produzirem o tipo errado de crescimento, baseado em moedas sobreavaliadas e investimentos em bens e serviços não transaccionáveis, tais como o mercado imobiliário e o da construção.

O crescimento estimulado pelos elevados preços das "commodities" também está sujeito a estoiros, pelas mesmas razões. As cotações das matérias-primas tendem a mover-se em ciclos. Quando estão elevadas, tendem a suplantar os investimentos em produtos manufacturados e outros bens comercializáveis não tradicionais. Além disso, os "booms" das matérias-primas resultam frequentemente numa política nefasta nos países com instituições débeis, levando a batalhas dispendiosas para obter receitas dos recursos, as quais são em seguida mal investidas, na maioria dos casos.

Assim, não é de surpreender que os países que tiveram um crescimento estável e regular ao longo das últimas seis décadas sejam aqueles que optaram por numa estratégia diferente: promover a diversificação de produtos manufacturados e outros bens "modernos". Ao captarem uma crescente quota dos mercados mundiais no que diz respeito aos produtos manufacturados e a outros produtos secundários, estes países estimularam as suas oportunidades internas de emprego em actividades altamente produtivas. Os seus governos não só visaram bons "fundamentais" (como a estabilidade macroeconómica e a abertura ao exterior, a título de exemplo), mas também aquilo a que se poderá dar o nome de políticas "produtivistas": moedas subavaliadas, políticas industriais e controlos financeiros.

A China é um exemplo típico desta abordagem. O seu crescimento foi alimentado por uma transformação estrutural extraordinariamente rápida e pela transição para uma carteira de bens industriais cada vez mais sofisticados. Nos últimos anos, a China também conseguiu obter um forte excedente comercial face aos Estados Unidos - a contrapartida para a sua moeda desvalorizada.

Mas não foi apenas a China. Países que estavam a crescer rapidamente antes do grande "crash" de 2008 apresentavam, tipicamente, excedentes comerciais (ou défices muito ligeiros). Estes países não quiseram receber muito capital estrangeiro, porque perceberam que isso iria arruinar os seus esforços para manterem uma divisa necessariamente competitiva.

É agora opinião geral que as substanciais balanças comerciais com o estrangeiro - tipificadas pela relação comercial bilateral EUA-China - tiveram um papel preponderante no grande "crash". A estabilidade macroeconómica mundial requer que evitemos esses enormes desequilíbrios das balanças de contas correntes no futuro. Mas, para que os países em desenvolvimento registem de novo um elevado crescimento, é preciso que voltem a focalizar-se nos bens e serviços transaccionáveis. No passado, esse crescimento resultou da vontade dos EUA e de algumas outras nações desenvolvidas de lidar com vastos défices comerciais. Esta já não é uma estratégia viável para os países em desenvolvimento com rendimentos médios ou elevados.

Assim sendo, estarão os requisitos de estabilidade macroeconómica global e de crescimento para os países em desenvolvimento em conflito entre si? Será que a necessidade, por parte dos países em desenvolvimento, de gerar fortes aumentos na oferta de produtos industriais esbarrará inevitavelmente na intolerância mundial para com os desequilíbrios comerciais?
Na verdade, não há qualquer conflito inerente, desde que entendamos que aquilo que interessa para o crescimento nos países em desenvolvimento não é a dimensão dos seus excedentes comerciais, nem sequer o volume das suas exportações. O que interessa é a sua produção de bens industriais modernos (e serviços), que podem expandir-se ilimitadamente desde que a procura interna se expanda em simultâneo. Manter uma moeda subavaliada tem a vantagem de subsidiar a produção desses bens; mas tem também a desvantagem de penalizar o consumo doméstico - sendo por isso que gera um excedente comercial. Ao encorajar a produção industrial directamente, é possível ter o lado positivo sem o negativo.

Há muitas maneiras de isto ser feito, incluindo reduzir o custo da produção nacional e dos serviços, através de investimentos direccionados para as infra-estruturas. As políticas industriais explícitas podem ser um instrumento ainda mais potente. O ponto-chave é que os países em desenvolvimento que pretendem promover a competitividade dos seus sectores modernos podem dar-se ao luxo de permitir que as suas moedas valorizem (em termos reais), desde que tenham acesso a políticas alternativas que promovam as actividades industriais de forma mais directa.

Assim, a boa notícia é que os países em desenvolvimento podem continuar a crescer rapidamente, mesmo que o comércio mundial abrande e prevaleça uma diminuição do apetite pelos capitais estrangeiros e haja desequilíbrios comerciais. O seu potencial de crescimento não tem de ser severamente afectado, desde que as implicações deste novo mundo para as políticas domésticas e internacionais sejam compreendidas.

Uma dessas implicações é que os países em desenvolvimento terão de substituir as suas políticas industriais reais por políticas baseadas na taxa cambial. Uma outra é que os intervenientes internacionais em matéria de política externa (como, por exemplo, a Organização Mundial do Comércio) terão de ser mais tolerantes para com estas políticas, desde que as repercussões sobre as balanças comerciais sejam neutralizadas através de ajustes apropriados na taxa de câmbio real. Um maior recurso a políticas industriais é o preço a pagar pela redução dos desequilíbrios macroeconómicos.
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