Opinião
Um FMI bem-amado?
Que grande diferença que a crise teve para o Fundo Monetário Internacional (FMI)! Há apenas alguns meses, esta importante mas mal-amada instituição, uma referência dos acordos económicos globais do pós-guerra...
Que grande diferença que a crise teve para o Fundo Monetário Internacional (FMI)! Há apenas alguns meses, esta importante mas mal-amada instituição, uma referência dos acordos económicos globais do pós-guerra, parecia destinada à irrelevância.
O FMI foi, durante muito tempo, o bode expiatório à esquerda e à direita - primeiro devido à ênfase dado à rectidão orçamental e à ortodoxia económica e depois devido ao seu papel na ajuda financeira às nações endividadas. Os países em desenvolvimento aceitavam relutantemente o seu aconselhamento, ao passo que as nações desenvolvidas, que não precisavam de dinheiro, o ignoravam. Num mundo em que os fluxos de capital privado impedem o crescimento dos recursos à sua disposição, o FMI acabou por parecer um anacronismo.
E quando alguns dos maiores devedores do FMI (Brasil e Argentina) começaram a pré-pagar as suas dívidas, há alguns anos, sem que houvesse novos pedidos de empréstimos à vista, parecia que tinha sido colocado o último prego no caixão. O FMI parecia condenado a ficar sem rendimentos, além de estar a perder a sua razão de ser. Reduziu os seus orçamentos e começou a reduzir a sua dimensão e apesar de ter assumido algumas novas responsabilidades nesse entretanto - supervisão da "manipulação cambial", em particular - as suas deliberações revelaram-se fortemente irrelevantes.
Mas a crise revigorou o Fundo Monetário Internacional. Sob a liderança do seu competente director-geral, Dominique Strauss-Khan, o FMI foi uma das poucas agências oficiais a estar à frente da curva. Actuou rapidamente de forma a criar uma linha de crédito de emergência de rápido desembolso para os países com políticas consideradas "razoáveis". Defendeu ardentemente uma política orçamental global de relançamento económico, da ordem dos 2% do PIB mundial - uma posição que é ainda mais extraordinária tendo em conta o seu tradicional conservadorismo no que diz respeito às matérias orçamentais. E nos dias que antecederam a cimeira do G-20 em Londres, reformulou profundamente as suas políticas de concessão de crédito, flexibilizou os seus tradicionais condicionalismos e facilitou a qualificação dos países no processo de elegibilidade em matéria de obtenção de empréstimos.
Ainda mais significativo foi o facto de o FMI ter saído da cimeira de Londres com recursos substancialmente maiores, bem como novas responsabilidades. O G20 comprometeu-se a triplicar a capacidade de concessão de empréstimos do Fundo (de 250 mil milhões de dólares para 750 mil milhões), a emitir 250 mil milhões de dólares de novos Direitos de Saque Especiais (um instrumento de reserva composto por um cabaz de grandes moedas) e a autorizar o FMI a financiar-se nos mercados de capitais (coisa que nunca fez) se necessário. O FMI foi também designado com uma das duas principais agências - de par com um Fórum de Estabilidade Financeira mais alargado (agora chamado Conselho de Estabilidade Financeira) - encarregadas de fazer advertências atempadas sobre os riscos macroeconómicos e financeiros e emitir as recomendações necessárias em matéria de política a seguir.
Outra boa notícia é que os europeus renunciaram à pretensão de nomear o director-geral do FMI (tal como os americanos fizeram em relação à presidência do Banco Mundial). Os futuros dirigentes serão, de agora em diante, escolhidos "através de um processo de selecção aberto, transparente e com base no mérito". Isto permitirá uma melhor governação (se bem que a liderança de Strauss-Kahn tenha sido exemplar) e reforçará a legitimidade de ambas as instituições aos olhos das nações em desenvolvimento.
Assim, o FMI vê-se agora de novo no centro do universo económico. De que forma escolherá implementar o seu poder redobrado?
O maior risco é que volte a exagerar em termos de alcance e influência. Foi isso que aconteceu na segunda metade da década de 90, quando o FMI começou a pregar a liberalização das contas de capital, aplicou remédios orçamentais demasiado restritos durante a crise financeira asiática e tentou redesenhar por conta própria as economias asiáticas. Desde então, a instituição já reconheceu os seus erros em todas estas áreas. Mas estamos ainda para ver se as lições foram inteiramente internalizadas e até que ponto é que teremos um FMI mais gentil e afável em vez de um FMI rígido e doutrinário.
Um facto encorajador é que os países em desenvolvimento irão quase de certeza ter mais voz na forma como o Fundo é gerido. Isto garantirá que, no futuro, os pontos de vista dos países mais pobres serão ouvidos com atenção.
Mas se nos limitarmos a dar mais poder de voto às nações em desenvolvimento, pouca diferença fará se a cultura organizacional do FMI não for também mudada. O Fundo é composto por muitos economistas brilhantes, mas a quem falta verdadeira uma ligação (e avaliação) às realidades institucionais dos países com os quais trabalham. A sua competência profissional é validada pela qualidade dos seus graus académicos em vez de o ser pelos êxitos na tomada de medidas práticas. Isto alimenta a arrogância e um sentimento de presumida superioridade em relação aos seus homólogos - responsáveis pela tomada de medidas que têm de equilibrar múltiplas prioridades e objectivos complexos.
Para contrariar este estado das coisas, é necessário que os altos funcionários do FMI façam esforços claros e pró-activos ao nível dos recrutamentos, afectações e promoções do seu pessoal. Uma opção seria aumentar substancialmente o número de funcionários que já tenham chegado a meio da sua carreira profissional e que tenham verdadeira experiência prática nos países em desenvolvimento. Isto faria com que os membros do FMI tomassem uma maior consciência do valor do conhecimento no terreno em relação à mera experiência teórica.
Uma outra estratégia seria deslocalizar parte dos funcionários, incluindo os que estão em departamentos funcionais, para "representações regionais" no terreno. Esta iniciativa iria certamente deparar-se com uma considerável resistência por parte dos funcionários que já se habituaram às comodidades de Washington, D.C. Mas não há melhor forma de apreciar o papel do contexto do que viver nesse mesmo contexto. O Banco Mundial, que deu início a uma descentralização similar há algum tempo, melhorou desde então a maneira como serve os seus clientes (sem que isso constitua dificuldade no recrutamento de talentos de topo).
Este é um momento importante para o FMI. A comunidade internacional está a esperar bastante do juízo e desempenho do Fundo. O FMI, para corresponder plenamente a essas expectativas, terá de proceder a reformas internas.
O FMI foi, durante muito tempo, o bode expiatório à esquerda e à direita - primeiro devido à ênfase dado à rectidão orçamental e à ortodoxia económica e depois devido ao seu papel na ajuda financeira às nações endividadas. Os países em desenvolvimento aceitavam relutantemente o seu aconselhamento, ao passo que as nações desenvolvidas, que não precisavam de dinheiro, o ignoravam. Num mundo em que os fluxos de capital privado impedem o crescimento dos recursos à sua disposição, o FMI acabou por parecer um anacronismo.
Mas a crise revigorou o Fundo Monetário Internacional. Sob a liderança do seu competente director-geral, Dominique Strauss-Khan, o FMI foi uma das poucas agências oficiais a estar à frente da curva. Actuou rapidamente de forma a criar uma linha de crédito de emergência de rápido desembolso para os países com políticas consideradas "razoáveis". Defendeu ardentemente uma política orçamental global de relançamento económico, da ordem dos 2% do PIB mundial - uma posição que é ainda mais extraordinária tendo em conta o seu tradicional conservadorismo no que diz respeito às matérias orçamentais. E nos dias que antecederam a cimeira do G-20 em Londres, reformulou profundamente as suas políticas de concessão de crédito, flexibilizou os seus tradicionais condicionalismos e facilitou a qualificação dos países no processo de elegibilidade em matéria de obtenção de empréstimos.
Ainda mais significativo foi o facto de o FMI ter saído da cimeira de Londres com recursos substancialmente maiores, bem como novas responsabilidades. O G20 comprometeu-se a triplicar a capacidade de concessão de empréstimos do Fundo (de 250 mil milhões de dólares para 750 mil milhões), a emitir 250 mil milhões de dólares de novos Direitos de Saque Especiais (um instrumento de reserva composto por um cabaz de grandes moedas) e a autorizar o FMI a financiar-se nos mercados de capitais (coisa que nunca fez) se necessário. O FMI foi também designado com uma das duas principais agências - de par com um Fórum de Estabilidade Financeira mais alargado (agora chamado Conselho de Estabilidade Financeira) - encarregadas de fazer advertências atempadas sobre os riscos macroeconómicos e financeiros e emitir as recomendações necessárias em matéria de política a seguir.
Outra boa notícia é que os europeus renunciaram à pretensão de nomear o director-geral do FMI (tal como os americanos fizeram em relação à presidência do Banco Mundial). Os futuros dirigentes serão, de agora em diante, escolhidos "através de um processo de selecção aberto, transparente e com base no mérito". Isto permitirá uma melhor governação (se bem que a liderança de Strauss-Kahn tenha sido exemplar) e reforçará a legitimidade de ambas as instituições aos olhos das nações em desenvolvimento.
Assim, o FMI vê-se agora de novo no centro do universo económico. De que forma escolherá implementar o seu poder redobrado?
O maior risco é que volte a exagerar em termos de alcance e influência. Foi isso que aconteceu na segunda metade da década de 90, quando o FMI começou a pregar a liberalização das contas de capital, aplicou remédios orçamentais demasiado restritos durante a crise financeira asiática e tentou redesenhar por conta própria as economias asiáticas. Desde então, a instituição já reconheceu os seus erros em todas estas áreas. Mas estamos ainda para ver se as lições foram inteiramente internalizadas e até que ponto é que teremos um FMI mais gentil e afável em vez de um FMI rígido e doutrinário.
Um facto encorajador é que os países em desenvolvimento irão quase de certeza ter mais voz na forma como o Fundo é gerido. Isto garantirá que, no futuro, os pontos de vista dos países mais pobres serão ouvidos com atenção.
Mas se nos limitarmos a dar mais poder de voto às nações em desenvolvimento, pouca diferença fará se a cultura organizacional do FMI não for também mudada. O Fundo é composto por muitos economistas brilhantes, mas a quem falta verdadeira uma ligação (e avaliação) às realidades institucionais dos países com os quais trabalham. A sua competência profissional é validada pela qualidade dos seus graus académicos em vez de o ser pelos êxitos na tomada de medidas práticas. Isto alimenta a arrogância e um sentimento de presumida superioridade em relação aos seus homólogos - responsáveis pela tomada de medidas que têm de equilibrar múltiplas prioridades e objectivos complexos.
Para contrariar este estado das coisas, é necessário que os altos funcionários do FMI façam esforços claros e pró-activos ao nível dos recrutamentos, afectações e promoções do seu pessoal. Uma opção seria aumentar substancialmente o número de funcionários que já tenham chegado a meio da sua carreira profissional e que tenham verdadeira experiência prática nos países em desenvolvimento. Isto faria com que os membros do FMI tomassem uma maior consciência do valor do conhecimento no terreno em relação à mera experiência teórica.
Uma outra estratégia seria deslocalizar parte dos funcionários, incluindo os que estão em departamentos funcionais, para "representações regionais" no terreno. Esta iniciativa iria certamente deparar-se com uma considerável resistência por parte dos funcionários que já se habituaram às comodidades de Washington, D.C. Mas não há melhor forma de apreciar o papel do contexto do que viver nesse mesmo contexto. O Banco Mundial, que deu início a uma descentralização similar há algum tempo, melhorou desde então a maneira como serve os seus clientes (sem que isso constitua dificuldade no recrutamento de talentos de topo).
Este é um momento importante para o FMI. A comunidade internacional está a esperar bastante do juízo e desempenho do Fundo. O FMI, para corresponder plenamente a essas expectativas, terá de proceder a reformas internas.
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