Opinião
Fazer a paz com estilhaços
O Médio Oriente, como salientou o secretário-geral adjunto das Nações Unidas Malloch Brown, está minado de problemas deixados por pessoas que procura soluções militares para questões políticas.
O drama libanês quase fez esquecer a destruição sistemática do poder na Palestina onde edifícios governamentais continuam a ser destruídos e a população se concentra em campos de refugiados. Israel escolheu o Hezbollah e o Líbano para uma «lição exemplar» aos que «contestem o direito à sua existência». Está a fazê-lo de forma tão violenta e sistemática que se confunde com a invasão de Ariel Sharom, em 1982.
O país dos cedros tem vivido desde o início da sua existência sob golpes e contragolpes, ocupações várias. Após uma violenta guerra civil nos anos 70 a Liga Árabe promoveu a estabilidade no país com a presença da OLP. Em 1982 Israel invadiu o Líbano para expulsar a OLP. Depois veio a Síria para estabilizar o que restava. Sob pressão internacional Damasco retirou as suas tropas; Israel que mantinha no Sul do Líbano uma zona de segurança e era apoiado numa vasta área do Sul pelo chamado Exército do Sul do Líbano, retirou-se sem avisar os seus aliados. O Hezbollah surgiu precisamente desta ocupação e durante anos um entendimento tácito limitava os ataques a alvos militares.
Retiradas as tropas do Líbano o país foi a eleições num sistema político viciado pela distribuição religiosa de lugares. O Hezbollah conseguiu um número significativo de deputados e com isso lugares no Governo, além da presidência do Parlamento reservado a um xiita.
Na Palestina, após a morte de Yasser Arafat, com quem houve relutância em negociar uma paz consistente, e Ariel Sharom foi um dos responsáveis pela destruição do caminho percorrido, fizeram-se eleições. Chegou a ser anunciada uma vitória da Fatah, a organização fundada por Arafat. Afinal a vitória foi para um movimento mais radical: o Hamas. Yasser Arafat tinha o jogo de cintura necessário para manobrar por entre as diversas facções. A velha raposa dava dois passos à frente e um atrás sempre que isso lhe convinha para manter o poder e impedir uma regressão. A OLP sob a sua liderança modificou-se e das acções violentas passou à diplomacia. Mas havia o ódio. Ódio palestiniano aos israelitas e vice versa, ódios entre facções rivais. A estabilidade era difícil.
O Hamas, na sequência de ataques israelitas (ou retaliações), raptou um soldado, Israel raptou políticos e mantém nas suas cadeias milhares de palestinianos. O Hezbollah por seu turno desencadeou novos ataques contra Israel e raptou soldados israelitas.
A resposta israelita ultrapassou em muito os limites do razoável. A violência entrou numa escalada que não encontra precedentes nas últimas décadas. O Líbano em franca recuperação voltou mais de 20 anos atrás. Israel atacou Beirute como só havia feito em 1982. Contra rockets usou a sua poderosa aviação, marinha e artilharia. Aeroportos, portos, áreas residenciais e na passada algumas bases do Hezbollah foram destruídas. Será que no final, quando a poeira assentar Israel é um lugar mais seguro? É duvidoso.
Duvidoso sobretudo porque se movimentam interesses diversos nos confrontos, suas causas e saídas. Os israelitas ciosos da sua sobrevivência mas humilhados pela incapacidade de por cobro aos seus adversários; árabes, designadamente sírios e iranianos, uns por terem sofridos derrotas em guerras com Israel outros por recusarem o estado hebraico. Todavia nada é assim linear pois o Hamas tem uma legitimidade democrática e o Hezbollah também. E foi o Ocidente quem pressionou e verificou os actos eleitorais.
Por outro lado ale do processo de Oslo, morto e enterrado, está em arquivo um roteiro de Bill Clinton e várias diligências europeias. Estabilizar a região é fundamental e isso é um problema político e económico, não um problema que possa ser resolvido com as armas. Ou melhor nada que o uso excessivo de força possa abrir caminho.
Ao contrário do que Washington possa pensar Israel não está a contribuir para a luta antiterrorista. Os novos governantes de Israel estão apenas a provar ser tão duros quanto a linha de Sharom. Confrangedor é ver um homem como Shimon Perez dar cobertura a esta guerra.
Condoleezza Rice estará na região este fim-de-semana. A acreditar no Washington Post de ontem «os Estados Unidos ainda procuravam definir o timing e o propósito da sua missão».
Se a Casa Branca perder um pouco a sua aversão aos europeus, continentais claro, a iniciativa francesa na ONU, que os EUA estão a recusar, poderá mostrar-se a prazo uma saída relativamente estável.