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Opinião
09 de Maio de 2006 às 13:59

Fardas sem Pátria

A Guiné-Bissau era o palco mais violento da então chamada guerra colonial portuguesa e aqueles homens hipotecavam diariamente a vida e a saúde pela nossa bandeira, a que tinham jurado fidelidade.

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Desde o meu juramento de bandeira, até agora, sou português. Defendi Pátria de português, jurei a bandeira de português mas os portugueses não ligam à gente. Fomos levar porrada por eles. Perdemos gente pelos portugueses mas quem não tem força para lá ir é um cão! Não presta para nada!».

Braímo Bá despejava assim, nos subúrbios de Bissau, palavras e sentimentos retidos no peito há três décadas.

Desde que a administração portuguesa se retirou da Guiné-Bissau garantindo que nada sucederia à elite das suas tropas negras que ali cumpriam serviço militar obrigatório.

A simples confrontação de registos entre os actuais assentos de óbito e o rol de oficiais de comandos africanos, à altura da independência, mostra que nenhum deles está hoje vivo. Da morte por fuzilamento, após a independência, apenas escaparam os que se anteciparam, por outros motivos, no adeus a este Mundo.

A Guiné-Bissau era o palco mais violento da então chamada guerra colonial portuguesa e aqueles homens hipotecavam diariamente a vida e a saúde pela nossa bandeira, a que tinham jurado fidelidade. Pretos, ou negros – como lhes queiram chamar – não eram por isso menos portugueses do que quaisquer outros indivíduos nascidos em território nacional, que naqueles dias se estendia a Macau. Passando por Timor.

Porque é então indiferente ao Estado português que aqueles que o serviram assim, por obrigação da lei, por fidelidade a um país que lhes ensinaram pertencerem, tenham sido vítimas de um banho de sangue. De sucessivas purgas. Torturas, fuzilamentos e sepulturas em valas comuns, exactamente por terem cumprido as ordens de Lisboa?

País de brandos costumes este, mas também, pelos vistos, de rectidão de princípios. Ou pelo menos, de reciprocidade de lealdade a quem o serve.

É sempre preferível, a todo o momento, uma diplomacia de calças em baixo, a defesa (?) de interesses bilaterais, do que a dignidade, a palavra e o resguardo de valores, ditos pilares, das democracias modernas ocidentais.

Apesar de todos os sinais e a experiência de vida provarem à exaustão, que quem não se dá ao respeito nunca o conquistará.

«Senhor António! Tem filhos? Pois então imagine que os seus meninos estão num passeio e o senhor está no outro. Que alguém se abeira deles e eles não fogem porque vocês lhes disse que podia confiar. Que esse alguém começa a espancar os seus filhos e o faz até à morte. E você finge que não vê... é assim que a gente se sente!» –  sintetiza-me o antigo comando português.

O facto é que sucessivos governos portugueses optaram por ignorar as purgas ocorridas na Guiné-Bissau – em violação do acordo de Argel – resguardando-se no «argumento» de ocorrerem já depois da independência deste país. Como se aqueles homens não estivessem a ser perseguidos e dizimados por cumprimento das nossas ordens.

Como se não tivessem ficado para trás, acreditando na nossa palavra e, supostamente, do PAIGC de que tudo se passaria bem.

Esta não é uma caça às bruxas. Mas um exigir de medidas no presente e para o futuro, dos enlutados, decorrentes das (nossas) responsabilidades até aqui vergonhosamente sacudidas.

Bodo Djau, testemunha de fuzilamentos e torturas de antigos comandos portugueses em Bambadinca, aguarda há um ano um visto para vir a Portugal, porque não lhe basta ter uma Cruz de Guerra de Primeira Classe e três louvores por heroísmo e dedicação à nossa bandeira, para poder ver o Tejo antes de morrer.

E eu recuso-me a acreditar que todo este virar de cara não é por eles todos serem pretos, ou negros, como negra é a sorte, tantas vezes, de se vestir a farda da dedicação e honra e descobrir que nenhuma delas é Pátria nossa.

P.S: Este tema é objecto de uma grande reportagem intitulada «Órfãos de Pátria», a transmitir hoje à noite  na RTP1, logo após o Telejornal.

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