Opinião
Estrelas da companhia ou companhias-estrela?
Sendo os desportos um campo fértil para a compreensão do lado humano das organizações, comecemos por considerar duas situações relatadas na imprensa das última semanas: O "Wall Street Journal", analisando o sorteio dos grupos para o...
Sendo os desportos um campo fértil para a compreensão do lado humano das organizações, comecemos por considerar duas situações relatadas na imprensa das última semanas:
• O "Wall Street Journal", analisando o sorteio dos grupos para o Campeonato do Mundo de 2010, atribuía ao grupo de Portugal o estatuto de "grupo da morte". Motivo: às "powerhouses" (sic) Brasil e Portugal, juntava-se a Costa do Marfim. A justificação do estatuto de Portugal como "powerhouse" terá certamente pouco a ver com a qualificação - sofrida. E a Costa do Marfim não parece ser uma potência futebolística de primeira. Mas estas selecções têm algo em comum: uma superestrela. Cristiano Ronaldo, Kaká e Drogba. As superestrelas dão um estatuto que as equipas não conferem, sendo que Portugal ultrapassou a Bósnia-Herzegovina sem a sua "star".
• Mais ou menos pela mesma altura, no Brasil, o Flamengo voltava a ser campeão, um título que fugia ao clube do Rio desde 1992. A que se deveu a vitória do "Mengo"? À influência de uma superestrela, ao carisma de um líder ou à superação de uma equipa? Primeiro, a estrela da equipa, o avançado Adriano, saiu do Inter em desgraça. Sendo um jogador prestigiado, dificilmente poderá ser visto como um messias. O técnico, Andrade, entrou a meio da época, sem "curriculum". O capitão Bruno terá chegado a dizer-lhe: "ganhou tudo como jogador, mas como técnico nada venceu. Você não é o meu treinador." O treinador, por sua vez, justificou: "sempre disse que o forte desta equipa era o grupo. Neste jogo isso ficou claramente demonstrado. Há jogadores que se destacam às vezes, mas quem ganha títulos é o grupo. O Petkovic e o Adriano não estavam em dia de acerto e prevaleceu o colectivo."
Nas organizações empresariais, a importância do colectivo continua em muitos casos a ser descontada. As organizações criam estrelas que nem sempre jogam para a equipa e põem em prática políticas que dificultam a criação de um espírito de comunidade de trabalho. Fazem-no quando avaliam desempenhos individuais mas não os das equipas e quando criam diferenciais salariais que separam em vez de unir. Uma entrevista de John Mackey, CEO da Whole Foods, ao "Wall Street Journal" constitui um notável exercício de pensamento gestionário. O empresário, um ex-activista anti-empresa, tornou-se um empresário de sucesso. Defende a importância de empresas socialmente responsáveis e que a criação das mesmas passa pela capacidade de os líderes se controlarem a si próprios. O autocontrolo dos líderes pode ser aferido, em parte, pelo diferencial do salário do CEO face ao salário médio da organização. Nos EUA, refere Mackey, a diferença nas empresas Fortune 500 passou de 25 para 300 vezes. Os gestores de topo tendem a qualificar a discussão sobre esta questão como demagógica. A crise sistémica que vivemos mostra que os argumentos do mérito e do mercado podem, eles mesmos, ser usados de forma demagógica.
A construção de melhores organizações passa pelo desenvolvimento de um sentimento de comunidade de trabalho (uma equipa), não pela criação de uma lógica de mercado interno orientada para a competição tóxica pelos lugares de topo e pela orientação para os resultados de curto prazo. Passa, voltando aos casos iniciais, por criar organizações-estrela em vez de apostar as fichas todas nas estrelas da organização. Organizações-estrela deste tipo apenas são possíveis quando os líderes seguem um propósito que inspira os outros e não reduz o trabalho à obtenção de ganhos para um "stakeholder" em detrimento dos demais. Disse-o W. Edwards Deming no seu grande clássico "Out of the crisis", e redisse-o recentemente Henry Mintzberg num artigo explosivo publicado no "Wall Street Journal" com o título "No more executive bonus". Duas peças a ler com atenção.
Para o leitor interessado:
• Deming, W.E. (1982).Out of the crisis. New York: Cambridge University Press.
• Mintzberg, H. (2009). No more executive bonus. Wall Street Journal, November 30, 13.
• Moore, S. (2009). The conscience of a capitalist: The weekend interview with John Mackey. Wall Street Journal, October 5, 14.
Professor catedrático, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
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• O "Wall Street Journal", analisando o sorteio dos grupos para o Campeonato do Mundo de 2010, atribuía ao grupo de Portugal o estatuto de "grupo da morte". Motivo: às "powerhouses" (sic) Brasil e Portugal, juntava-se a Costa do Marfim. A justificação do estatuto de Portugal como "powerhouse" terá certamente pouco a ver com a qualificação - sofrida. E a Costa do Marfim não parece ser uma potência futebolística de primeira. Mas estas selecções têm algo em comum: uma superestrela. Cristiano Ronaldo, Kaká e Drogba. As superestrelas dão um estatuto que as equipas não conferem, sendo que Portugal ultrapassou a Bósnia-Herzegovina sem a sua "star".
Nas organizações empresariais, a importância do colectivo continua em muitos casos a ser descontada. As organizações criam estrelas que nem sempre jogam para a equipa e põem em prática políticas que dificultam a criação de um espírito de comunidade de trabalho. Fazem-no quando avaliam desempenhos individuais mas não os das equipas e quando criam diferenciais salariais que separam em vez de unir. Uma entrevista de John Mackey, CEO da Whole Foods, ao "Wall Street Journal" constitui um notável exercício de pensamento gestionário. O empresário, um ex-activista anti-empresa, tornou-se um empresário de sucesso. Defende a importância de empresas socialmente responsáveis e que a criação das mesmas passa pela capacidade de os líderes se controlarem a si próprios. O autocontrolo dos líderes pode ser aferido, em parte, pelo diferencial do salário do CEO face ao salário médio da organização. Nos EUA, refere Mackey, a diferença nas empresas Fortune 500 passou de 25 para 300 vezes. Os gestores de topo tendem a qualificar a discussão sobre esta questão como demagógica. A crise sistémica que vivemos mostra que os argumentos do mérito e do mercado podem, eles mesmos, ser usados de forma demagógica.
A construção de melhores organizações passa pelo desenvolvimento de um sentimento de comunidade de trabalho (uma equipa), não pela criação de uma lógica de mercado interno orientada para a competição tóxica pelos lugares de topo e pela orientação para os resultados de curto prazo. Passa, voltando aos casos iniciais, por criar organizações-estrela em vez de apostar as fichas todas nas estrelas da organização. Organizações-estrela deste tipo apenas são possíveis quando os líderes seguem um propósito que inspira os outros e não reduz o trabalho à obtenção de ganhos para um "stakeholder" em detrimento dos demais. Disse-o W. Edwards Deming no seu grande clássico "Out of the crisis", e redisse-o recentemente Henry Mintzberg num artigo explosivo publicado no "Wall Street Journal" com o título "No more executive bonus". Duas peças a ler com atenção.
Para o leitor interessado:
• Deming, W.E. (1982).Out of the crisis. New York: Cambridge University Press.
• Mintzberg, H. (2009). No more executive bonus. Wall Street Journal, November 30, 13.
• Moore, S. (2009). The conscience of a capitalist: The weekend interview with John Mackey. Wall Street Journal, October 5, 14.
Professor catedrático, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
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