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19 de Agosto de 2010 às 11:16

Empresas versus trabalhadores-estudantes

As empresas podem beneficiar do aumento das habilitações literárias dos colaboradores. Mas convém conhecer o regime dos trabalhadores-estudantes.

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Hoje em dia, revela-se fundamental que as empresas concebam acções de desenvolvimento de carreira que conjuguem os seus interesses com os dos indivíduos. Estas possibilidades de desenvolvimento têm sido tomadas como responsabilidade de desenvolvimento das competências dos colaboradores na função para a qual foram contratados, fornecendo-lhes o corpo teórico, tecnológico e prático para que possam estar actualizados e, em última análise, manterem ou aumentarem a sua produtividade.

O conceito de responsabilidade pela carreira e ónus deste investimento tem sido abordado sob alguma celeuma e com alguma dose de ambiguidade. De uma forma simplista, as empresas oferecem trabalho e as oportunidades de carreira nunca serão um benefício seguro, pelo facto de serem oportunidades e, obviamente, possibilidades nunca garantias, passando a redundância. Ainda que sem garantias de promoção, sendo conferido tempo ao indivíduo para se formar, este deveria privilegiar as áreas de actividade da empresa e compatibilizar horários.

Sem prejuízo importa salientar que, actualmente, a falta de elo de ligação entre a área de estudos escolhida pelos trabalhadores-estudantes e as funções desempenhadas na empresa poderá, em certa medida, constituir uma mais-valia através do aproveitamento da mobilidade, das qualificações e rede de contactos profissionais, uma vez que estes aliados a uma boa gestão de tempo podem constituir factores de sucesso. No entanto, sabe-se que nem todas as empresas têm estrutura para mover internamente os seus colaborares. Inclusivamente, a Lei recomenda a promoção profissional adequada à qualificação obtida, mas não obriga à reclassificação profissional do trabalhador-estudante.

Considerando que o legislador optou por sobrepor os interesses dos trabalhadores ao consenso negocial, tendo presente o direito constitucional à protecção das condições de trabalho dos trabalhadores-estudantes, às empresas restará saber retirar partido de tal situação.

A sobreposição de interesses aumentou com a actual redacção do Código do Trabalho (2009) que veio alargar o conceito de trabalhador-estudante, considerando como tal o trabalhador que frequente qualquer nível de educação escolar, incluindo cursos de pós-graduação, mestrado ou doutoramento em instituição de ensino, ou ainda curso de formação profissional ou programa de ocupação temporária de jovens com duração igual ou superior a seis meses.

Porém, saliente-se que a contratação de trabalhadores-estudantes não implica a celebração de quaisquer contratos especiais, sendo apenas aplicáveis aos contratos comuns algumas regras específicas. A obtenção do estatuto trabalhador-estudante depende da apresentação ao empregador da sua condição de estudante, bem como do horário das actividades educativas.

Os trabalhadores-estudantes beneficiam, assim, de diversos direitos não cumulativos com outros regimes legais que visem os mesmos fins, desde que comprovem perante o empregador a obtenção de aproveitamento escolar anual nos termos legalmente estabelecidos e escolham o horário mais compatível com o horário de trabalho.

Desde logo, o trabalhador goza de facilidades no que concerne ao horário de trabalho, a fim de poder deslocar-se ao estabelecimento de ensino e frequentar as aulas. Tais facilidades consistem na adaptação do horário ou dispensa de trabalho dentro dos limites legalmente previstos. Caso tal não seja possível, o trabalhador, no regime de turnos a que está afecto, tem preferência na ocupação de posto de trabalho compatível com a sua qualificação profissional e com a frequência de aulas. Acresce que embora o trabalhador não seja obrigado, excepto por força maior, a prestar trabalho em regime de adaptabilidade, banco de horas ou horário concentrado, é lhe assegurado, caso preste trabalho sob estes regimes, a um dia por mês de dispensa, sem perda de direitos.

O trabalhador-estudante também não é obrigado a prestar trabalho suplementar, excepto por força maior, mas se o fizer terá direito a descanso compensatório de igual número de horas.

Quanto às faltas, consideram-se justificadas as que forem dadas para prestação de provas de avaliação (exame/outra prova escrita ou oral/apresentação de trabalho quando este determine directa ou indirectamente o aproveitamento escolar), no dia e na véspera das mesmas, não determinando estas faltas perda de retribuição. Em caso de provas em dias consecutivos ou várias num dia, os dias imediatamente anteriores são tantos quantas as provas (incluindo dias de descanso semanal e feriados). As faltas dadas não podem exceder quatro dias por disciplina em cada ano lectivo, nem exercido tal direito em mais de dois anos lectivos relativamente a cada disciplina.

São ainda justificadas as faltas imprescindíveis às deslocações necessárias para efeitos de prestação das referidas provas, não determinando a perda de retribuição até ao limite de dez faltas em cada ano lectivo, independentemente do número de disciplinas.

Em suma, a legislação permite especial liberdade aos trabalhadores que pretendam formação académica e qualificações complementares, inclusivamente, estranhas à função contratada. O legislador que já pressupõe um investimento obrigatório das empresas no desenvolvimento dos seus trabalhadores, vem ainda aumentar os direitos dos mesmos em formação académica complementar, o que poderá criar resistências.

De facto, os empregadores poderão sentir-se duplamente prejudicados não só durante as aulas e exames do colaborador como posteriormente, por não poderem, na prática, beneficiar do aumento das respectivas qualificações. Para combater o referido sentimento, o trabalhador e a empresa deverão definir no momento do seu recrutamento e avaliações de desempenho, eventuais formações externas ou, mesmo, o seu aumento de habilitações literárias em linha com oportunidades internas.




Tome nota



1. A gestão de carreiras é uma responsabilidade partilhada entre o indivíduo e a empresa.

2. O trabalhador e a empresa devem conjugar as formações externas e o aumento de habilitações literárias do trabalhador com oportunidades internas na empresa.

3. Caberá sempre às empresas explorarem as potencialidades dos trabalhadores-estudantes, nomeadamente as qualificações e rede de contactos profissionais.



*Associada da Teixeira de Freitas, Rodrigues e Associados
claudia.torres@tfra.pt

**Regional Director Hays
duarte.ramos@hays.pt




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