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Educação a marcar passo; Portugal na cepa torta

No último sábado teve lugar, em Lisboa, a maior manifestação de sempre de professores contra um Governo. Foram perto de 100 mil os manifestantes que desceram a Avenida da Liberdade em direcção ao Terreiro do Paço, e neste número, ao que se sabe, estiveram

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Já nas semanas anteriores as manifestações de professores tinham sido uma constante de Norte a Sul do País e a luta promete não ficar por aqui.

Tenho para mim que este clima de guerrilha instalado na educação portuguesa era a última coisa de que o país necessitava para que o nosso sistema educativo pudesse progredir e qualificar os portugueses como tão desesperadamente precisamos. Como a literatura científica da especialidade mostra, a qualificação dos recursos humanos de um País é o factor de desenvolvimento sustentado mais importante. Sem uma população qualificada, nunca Portugal conseguirá ser um país da “primeira divisão europeia” e atingir um grau de desenvolvimento que é, hoje, e cada vez mais, uma miragem.

? E, contudo, creio que o Governo até começou bem a sua acção na educação. Dou como exemplos a manutenção das escolas abertas até mais tarde (adequando a abertura dos estabelecimentos ao horário laboral dos pais), a criação de aulas de substituição, a redução de “buracos” nos horários dos alunos, ou a aprendizagem do inglês para todos a partir do terceiro ano do ensino básico.

Mas estas ideias, simples e positivas, coexistiram com propostas que deixaram (e continuam a deixar) muito a desejar.

Desde logo porque a tão inicialmente propalada (quer pelo primeiro-ministro, quer pela ministra da Educação) cultura de rigor nunca chegou, na verdade, a ser colocada em prática – e a terrível cultura facilitista do “eduquês”, em vez de ser combatida foi, ao invés, tragicamente reforçada. Quando se devia ter introduzido a realização de exames nacionais no quarto e sexto anos de escolaridade, complementando os já existentes no nono ano, o que sucedeu foi que não só aqueles exames nunca viram a luz do dia, como estes (os do nono ano) foram mais facilitados: hoje, no final do ensino básico, apenas duas disciplinas (Português e Matemática) são avaliadas e as provas globais que existiam em outras disciplinas acabaram? E os exames existentes continuam a não ser comparáveis de ano para ano – pelo que não podem mostrar com fidelidade o progresso dos alunos nem orientar positivamente os estudos. Praticamente todos os estudantes chegam, assim, ao ensino secundário (ao décimo ano) não por mérito seu, mas porque o sistema está montado para que assim aconteça. Não será difícil perspectivar que, uma vez no ensino secundário, estes jovens não progridam como até aí? Está-se, assim, não a formar uma população melhor preparada para abraçar mais tarde uma carreira profissional (como Portugal bem necessitaria), mas apenas a trabalhar para melhorar artificialmente as estatísticas do abandono escolar, mascarando uma situação que continua a ser trágica. Por exemplo, tenho as maiores dúvidas que a introdução do ensino do Inglês no terceiro ano do ensino básico venha a dar frutos? sem um sistema de avaliação rigoroso e exigente. Pois não é já verdade que a Matemática e o Português são disciplinas obrigatórias?... Mas não é por isso que a maior parte dos estudantes atinge nestas disciplinas um conhecimento sequer sofrível (por exemplo, sabe-se que cerca de 30% das crianças terminam o primeiro ciclo do básico sem saberem ler?).

Aliás, se o leitor (ainda) tem dúvidas sobre a cultura facilitista do Governo, basta lembrar-se (i) das “Novas Oportunidades”, que em muitos casos é um embuste feito à medida para acolher aqueles que, a partir da conclusão do ensino básico, não conseguem ter aproveitamento (e que, com uns mesitos de frequência de aulas – mas sem avaliação –, ganham direito a um diploma? que, assim, claro está, nunca lhes devia ser atribuído; (ii) do novo Estatuto do Aluno, que praticamente acaba com as reprovações por faltas, sendo, portanto, um claro convite à ausência das aulas por parte dos alunos, e deixando de lado o desejável caminho da exigência, do rigor e da justiça.

Mas também ao nível dos professores as opções do Governo têm deixado, em minha opinião, muito a desejar. Primeiro, pelo clima de guerrilha e crispação sempre crescente – para o que muito contribuiu um Estatuto da Carreira Docente que menoriza claramente os professores – e que atingiu, agora, as proporções que se conhecem. No fundo, os professores são, desde há muito, apresentados como os “maus da fita”. Quem não se recorda da afirmação da Ministra da Educação, “perdi os professores, mas ganhei o País”?... Ora, a batalha da qualificação dos portugueses nunca poderá ser vencida contra os professores. Nenhum general, por melhor que seja, pode ganhar uma batalha em conflito com os seus soldados?

Mas com as relações entre o Governo e os docentes em deterioração acelerada, entrou em cena a avaliação dos professores. “A cereja no topo do bolo”, o que fez transbordar o copo. Quero deixar muito claro que sou totalmente favorável à avaliação dos professores (como, afinal, sucede em qualquer outra profissão). Mas, dito isto, como é possível propor-se que os pais intervenham na avaliação dos docentes? Ou que as classificações dos alunos contem para a folha de serviços dos professores que as atribuíram? Ou que o processo de avaliação seja integrado por colegas que claramente não têm competência na área em questão (como, por exemplo, professores de Trabalhos Manuais tomarem parte na avaliação de professores de Português)?... Não é absurdo, caro leitor?...

Isto para além de o modelo de avaliação proposto não ter sido debatido como podia e devia; ter sido implantado à pressa e sem qualquer tempo experimental; e ser uma enorme teia burocrática, complexa e centralizada que obstaculiza o trabalho dos professores, diminui a autonomia das escolas e impõe a mesma grelha de avaliação para todos os estabelecimentos, independentemente da sua natureza (ensino pré-escolar, básico ou secundário), da sua dimensão (terem poucos ou muitos alunos), de as turmas serem mais ou menos problemáticas?

Porquê esta fúria centralizadora – quando o que se devia era reforçar a autonomia das escolas e dos seus directores (que, depois, responderiam perante o Estado – representado pelo Ministério da Educação – quais empresas perante os seus accionistas) e partilhar com as comunidades locais a sua gestão e orientação, ficando para o Ministério apenas a definição estratégica e o rumo geral a seguir?

Por que razão o modelo de avaliação proposto encontra paralelo com o que se passa na Grécia e se afasta das melhores práticas europeias, comuns quer nos países da Europa Ocidental, do Norte, ou mesmo de Leste, em que o papel do professor é ensinar mais e melhor e não perder tempo com a avaliação de colegas?...

E por que razão a avaliação dos docentes não é proposta à luz de critérios objectivos e comparáveis (e, como tal, inatacáveis) como, por exemplo e entre outros, a realização de exames nacionais que permitiriam aferir os resultados do trabalho dos professores?...

Perante todas estas interrogações, é difícil de perceber a obstinação do Governo e, em especial, do primeiro-ministro e da ministra da Educação em continuar com estas opções. Menos difícil é entender a manifestação de sábado passado, bem como a contestação que, ao que se sabe, os professores vão prosseguir? Mas fácil, fácil mesmo de perceber é que, nesta conjuntura, é a educação portuguesa que marca passo. Contribuindo de forma decisiva para que o país não saia da cepa torta.

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