Opinião
Edmund Phelps, Nobel da Economia de 2006: a reabilitação da Economia Política
No caso do Nobel da Economia, a Real Academia das Ciências da Suécia, desta vez, acertou duplamente. Desde logo, na escolha do premiado. Depois, na atribuição individual do galardão, fugindo à tendência, de atribuir prémios colectivos.
Na verdade, Edmund Phelps é o primeiro Nobel da Economia individualmente atribuído no século XXI, uma vez que, desde 2000, aquele vinha ao molhos.
A nota de imprensa de 9 de Outubro da Real Academia das Ciências da Suécia, que anunciou o prémio Nobel da Economia de 2006, como é habitual, limitou-se a anunciar alguns aspectos técnicos das contribuições do laureado. Mas o economista vencedor este ano merece um outro destaque.
De facto, não será arriscado conjecturar que este ano se procurou privilegiar a relevância e originalidade do tratamento dos temas, em detrimento dos aspectos mais técnicos que dominam, de forma sufocante, a profissão. Phelps aparece com 4.600 citações no Scholar do Google. Trata-se de um valor baixo para um Nobel, a comparar com os seguintes valores para os Nobel mais recentes: Schelling (2005) – 12.800; Edward Prescott (2004) – 12.900; Robert Engle (2003) – 14.000; Vernon Smith (2002) – 40.000; Joseph Stiglitz (2001) 17.2 00; James Heckman (2000) 13.400.
A relevância dos temas abordados por Phelps e a assumida recuperação que faz do pensamento normativo, destaca-o da aridez e inconsequência que caracteriza em geral muita da investigação académica, incluindo boa parte da premiada nos últimos anos pela Academia Sueca. Títulos como Justiça Económica (1974) ou Altruísmo, Moralidade e Teoria Económica (1975) que acolhem desde há muito os resultados da investigação do autor, são na verdade pouco comuns.
Chamo a atenção para dois aspectos principais, que me parecem os mais interessantes na obra de Phelps: a produção de um original e valioso manual de introdução à economia (1) e a elaboração de uma ousada proposta de política pública de intervenção no mercado de trabalho (2).
Phelps está entre os poucos prémios Nobel da Economia – em companhia de Stiglitz (2001) e de Samuelson (1970) – que se não furtaram a expor uma visão de conjunto da ciência económica. Em 1985, com 52 anos, elabora um manual de introdução à economia, significativamente intitulado, à boa maneira clássica: Political Economy.
Ainda que não tenha conhecido o mesmo sucesso comercial de Samuelson, nem de Stiglitz, Phelps produziu um manual superior e verdadeiramente notável, que ainda hoje não foi igualado.
Ambicioso, entende a economia como indispensável para entender as questões éticas postas pelos problemas políticos.
Percursor, consciente, introduz o necessário emagrecimento dos manuais de introdução à economia, só mais tarde, e apenas parcialmente, realizado pelos outros autores. Apesar dos sucessivos emagrecimentos recentes dos manuais, o seu texto de 1985, com mais de 20 anos, conta apenas 21 capítulos, o que ainda contrasta com as mais recentes edições dos manuais mais populares: por exemplo, Samuelson, com 34 capítulos, Baumol e Frank, com 35 e 29, respectivamente. Embora com 20 anos de atraso, estes ainda estão muito aquém do realizafdo por Phelps.
O manual inova – e ainda hoje é pouco seguido – elegendo um tema principal para cada capítulo e fugindo ao enciclopedismo e à tentação de produzir catálogos de tópicos de teoria.
O assunto principal de cada capítulo é abordado nas perspectivas da evolução, dos debates e das controvérsias de ideias que ocorrem na sua produção, sem cair no relativismo modernista. Pelo contrário, o autor apresenta e defende fortes ideias próprias que confronta com as de outros autores passados e modernos, incluindo os mais recentes.
Usa amplas citações dos autores clássicos para apresentar a origem e evolução dos conceitos actualmente mais relevantes. Logo desde o primeiro capítulo, cita longamente Adam Smith. Este, é de longe, o autor a que mais recorre de uma forma hábil e pedagógica. Mas também Marx, Hume, Kant, Aristóteles, Hobbes e muitos outros são certeira e sabiamente usados na elucidação dos principais conceitos e problemas.
Esta perspectiva de ensino da economia não vingou. O manual teve, infelizmente um destino obscuro, com reduzido impacto fora de um pequeno grupo de profissionais críticos das corrente mainstream. Teve apenas 5 escassas traduções nos anos seguintes à sua publicação (castelhano, italiano, francês, japonês e coreano) e muito pouca utilização efectiva no ensino.
A segunda obra que quero destacar, Rewarding Work, acolhe a sistematização das ideias de Phelps acerca da política púbica para o mercado de trabalho. Estas ideias encontram-se, desde 1985, esboçadas no manual atrás referido, de título elucidativo: "Mercados de Trabalho e a Empresa: Salários Incentivadores e Desemprego".
O seu argumento é que a sociedade do conhecimento sobrequalificou as competências e desqualificou o trabalho físico. Os baixos salários dos trabalhadores menos qualificados aumentou as desigualdades, e afastou da força de trabalho largas camadas da população, tirando-lhes a dignidade pelo trabalho e atirando-os para a dependência da assistência pública. Devido aos baixos salários não compensarem renunciar aos benefícios do sistema de segurança social, o emprego dos trabalhadores pouco qualificados tende a diminuir perigosamente.
Esta situação põe em risco o sistema de livre empresa, aumenta as taxs de criminalidade do consumo de drogas e outras formas de exclusão.
Como remédio para esta situação, Phelps propõe uma política de subsídios às empresas que contratem trabalhadores com baixos salários. Esta política contribuirá para dar amor próprio e auto suficiência àqueles trabalhadores agora marginalizados.
Esta política seria, em parte, auto-financiada pelas poupanças na segurança social – devido à diminuição do crime, do recurso ao sistema de saúde e dos subsídios de desemprego – e pelo aumento dos impostos dos novos membros da força de trabalho.
A atribuição do Nobel a Phelps representa bem o desejo de reabilitar a economia política.
(1) Edmund Phelps, Political Economy: An Introductory Text, W. W. Norton and Co., New York and London, 1985.
(2) Edmund Phelps, Rewarding Work: How to Restore Participation and Self-Support to Free Enterprise, Harvard University Press, Cambridge, Mass., 1977.