Opinião
Dois pesos e duas medidas
A busca de receita leva a nossa Administração Fiscal a sofisticar cada vez mais os mecanismos de combate à fraude e evasão fiscais nos seus diferentes domínios.
Se a penhora de contas bancárias e de bens das empresas, para além da responsabilidade individual dos gestores e empresários, são hoje uma constante, anuncia-se agora a possibilidade de o Estado obstar os pagamentos às empresas se estas não tiverem a sua situação fiscal regularizada.
Assim, a fazer fé nas notícias, os hospitais públicos, institutos públicos, ministérios, escolas, universidades e politécnicos, autarquias ou a central de compras do Estado não poderão proceder a pagamentos a fornecedores sempre que estes mantenham dívidas tributárias.
Ao mesmo tempo, corre em paralelo um mecanismo que permite recuperar verbas em dívida, dentro dos próprios organismos públicos, através das penhoras automáticas de créditos.
Mais uma certidão que passa a ser obrigatória, ao arrepio do Simplex, embora o fornecedor possa autorizar a entidade pagadora à averiguação, junto do fisco e da segurança social, da sua situação tributária.
Numa conjuntura complicada para as empresas, sobretudo para as Micro e PME, aperta-se cada vez mais o garrote, sem uma atitude igualmente exemplar do Estado.
Com estes procedimentos de rigor, que aplaudo por contribuírem para uma maior justiça fiscal e combate à concorrência desleal, mas sem um comportamento de bom senso por parte dos que andam no terreno a fazer cumprir a lei, poderemos matar a "galinha dos ovos de ouro".
Efectivamente, que dizer do sistemático incumprimento do Estado?
Os hospitais públicos, as autarquias, a administração central, algumas EPE, não cumprem, por regra, os prazos que definem para os seus pagamentos; nalguns casos estamos a falar de meses ou mesmo de mais de um ano.
Não estaremos perante dois pesos e duas medidas?
Ao mesmo tempo que se legisla no sentido de apertar o cerco aos faltosos, porque não legislar também para proteger as empresas?
O Estado não cumpre os prazos de pagamentos, mas exige o pagamento do IVA, penhora contas bancárias e bens, congela pagamentos, pretende avançar para as compensações de créditos, quando muitas vezes "o incumpridor" ainda não recebeu o dinheiro ?
E o particular? E a empresa que sistematicamente é vitima dos incumprimentos do Estado?
É tempo de legislar para proteger a economia dos incumprimentos do Estado, proporcionando, a título de exemplo, às empresas, a possibilidade de utilizar os créditos vencidos que têm sobre o Estado para compensarem dívidas fiscais.
É tempo de tornar obrigatório o pagamento do IVA que resulte de fornecimentos ao Estado, depois do recebimento, pois, no extremo, um empresário ou gestor pode ser acusado do crime de abuso de confiança por apropriação abusiva de verbas em sede de IVA, caso não o pague, apesar de ainda não o ter recebido do próprio Estado.
Era importante que, ao mesmo tempo que se promovem estas medidas moralizadoras, também o Estado as assumisse como suas, legislando no mesmo sentido para os particulares.
Se assim for, não há desculpas para os incumpridores e o braço da lei deve ser forte.
Com a prática actual, estamos mais uma vez perante a prepotência do Estado, a lei do mais forte. Como diz o povo, "bem prega o frei Tomás, olha para o que ele diz, não para o que ele faz".